Hoje o doodle está tão fofo que praticamente me obrigou a falar sobre o Solstício de Verão do Hemisfério Sul. Para os meus leitores portugueses, cabe destacar que hoje é o Solstício de Inverno do Hemisfério Norte.
Bom, o doodle que aparece para os brasileiros é uma homenagem ao solstício de verão do Hemisfério Sul. O bichinho (me parece ser um sapinho) relaxando em cima de uma ninfeia num lago gracioso chamou minha atenção.
O grande destaque da imprensa hoje é o início do verão.
Astronomicamente, o verão inicia-se quando hemisfério em questão (em nosso caso, o Hemisfério Sul), está recebendo mais radiação solar do que o Hemisfério Norte. Isso só é possível graças a inclinação do eixo da Terra. Veja mais aqui neste post.
Todos os anos, o verão começa mais ou menos por volta do dia 21-23 de dezembro. O dia e o horário variam porque a translação da Terra não é de exatamente 365 dias. Na verdade, a rotação da Terra dura 365 dias, 5 horas e 48 minutos. Por isso, a cada 4 anos temos o ano bissexto, com um dia a mais. Esse ‘dia a mais’ é resultado desses restinhos (5horas e 48minutos) que são somados e levados em consideração como 1 dia. Nesse ano, o Solstício de Verão deve acontecer exatamente às 19h22min de 21 de dezembro de 2018. Nesse momento, o Hemisfério Sul estará totalmente voltado para o Sol, o que ocorre graças a inclinação do eixo de rotação da Terra.
Já climatologicamente, o verão corresponde ao trimestre DJF (dezembro, janeiro e fevereiro) e utilizamos os dados desses trimestres para calcular médias, estudar verões passados e estudar verões futuros através de simulações computacionais que permitem essas projeções.
Muita gente espera que a partir do dia do Solstício de Verão o clima mude completamente. Isso ocorre gradualmente e é importante salientar que as estações do ano são mais ‘percebidas’ em latitudes mais altas, ou seja, em regiões mais distantes do Equador. Percebam que as regiões próximas ao Equador recebem calor o ano inteiro. É por isso que as praias do Ceará e do Rio Grande do Norte por exemplo são conhecidas por ter “verão o ano inteiro”. Astronomicamente, claro que não é verão o ano inteiro, mas o calor recebido é sempre intenso nas proximidades da linha do Equador e fica difícil distinguir quando é verão, outono, inverno ou primavera. É praticamente sempre a mesma coisa nesses locais.
O verão é mais percebido na Região Sul, sul da Região Sudeste e Mato Grosso do Sul. Nesses locais, percebe-se facilmente o contraste de temperatura com relação as outras estações do ano. Apesar de podermos notar essa variação anual de temperatura, não chega a ser um contraste tão grande porque mesmo as regiões subtropicais de nosso país não estão em latitudes tão altas. Por exemplo, na maioria dos lugares esfria bastante quando comparamos com o calor, mas chega realmente a nevar em poucos locais. Neva ocasionalmente (algumas vezes por ano e sem acumulados expressivos) na Serra Gaúcha e Catarinense e em outros municípios com altitude um pouco mais elevada na Região Sul.
Um fato importante que certamente os moradores do sul do Rio Grande do Sul já devem ter percebido gradualmente é o aumento das horas de brilho solar. Isso significa que o poente tem ocorrido mais tarde. Certamente, os dias 21 e 22 de dezembro serão os dias com maior duração do dia claro*, pois essa é a característica principal do Solstício de Verão: é o dia em que o dia claro* tem a maior duração do ano. A tendência a partir de agora é que o dia claro diminua gradualmente e atinja seu mínimo por volta de 21-23 de junho, quando ocorre o Solstício de Inverno do Hemisfério Sul**.
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Nota: a melhor forma de explicar o clima na maior parte do Brasil não são as estações do ano, da maneira ‘didática’ que aprendemos (frio no inverno, calor no verão…). Locais de clima tropical tem seu clima mais bem descritos por estação seca e chuvosa.
* dia claro aqui é definido como o período do dia em que o Sol fica visível no céu (intervalo entre o nascer e o pôr do Sol).
É importante ressaltar que o texto desse post foi escrito a partir de outro post com mesmo tema, só que de 2011.
** Esse último parágrafo me fez pensar na introdução do livro Blue Nights, de Joan Didion:
“Em algumas latitudes há uma época do ano, anterior e posterior ao solstício de verão, perfazendo-se algumas semanas, em que os crepúsculos se tornam longos e azuis. Esse período de noites azuis não existe na Califórnia subtropical, onde vivi a maior parte do tempo a respeito do qual falarei aqui e onde o final do dia é rápido e se perde na intensidade do sol poente, mas existe em Nova York, onde vivo agora. Percebemos isso pela primeira vez quando finda abril e principia maio, uma mudança na estação, não exatamente um aquecimento — de modo algum, na verdade —, embora de repente o verão pareça próximo, uma possibilidade, quase uma promessa. Passamos por uma janela, andamos até o Central Park, nos damos conta de que estamos nadando na cor azul: a própria luz é azul, e ao fim de mais ou menos uma hora aquele azul se aprofunda, torna-se ainda mais intenso conforme vai escurecendo e desbotando, aproxima-se enfim do azul do vitral num dia claro em Chartres, ou da radiação Cherenkov lançada pelas barras de combustível nas piscinas dos reatores nucleares. Os franceses chamam esse momento do dia de l’heure bleue ou“a hora azul”. Para os ingleses, the gloaming. A própria expressão gloaming reverbera, ecoa — the gloaming, the glimmer, the glitter, the glisten, the glamour —, levando em suas consoantes as imagens de casas sendo fechadas, jardins escurecendo, rios margeados de grama deslizando por entre as sombras. Nas noites azuis pensamos que o fim do dia nunca virá. Quando as noites azuis chegam ao fim (e chegarão, e chegam), sentimos um verdadeiro calafrio, um temor de doença, no momento em que percebemos: a luz azul está indo embora, os dias já se encurtam, o verão se foi. Este livro se chama Noites azuis porque, quando comecei a escrevê-lo, senti que minha mente se voltava cada vez mais para a doença, para o fim da promessa, o minguar dos dias, a inevitabilidade do esmaecer, o declínio da claridade. As noites azuis são o oposto do declínio da claridade, mas são também seu aviso.”
Leiam esse livro, é lindo. Estou lendo pela segunda vez.
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