Era pra ser uma versão sintetizada deste post, que escrevi ano passado. Mas acabei inserindo novas informações, por isso peço que leiam. Estou escrevendo depois de ter lido destaques sobre o início da primavera e sobre a recorrente confusão que a imprensa faz entre este marco astronômico e o tempo e clima brasileiro. Para mais esclarecimentos, sugiro que também leiam os demais textos com esta tag.
Todos sabem que o Brasil é um país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, pois é o que diz a canção. Podemos aprender muito com essa linda música. O Brasil de fato é um país tropical, pois a maior parte de seu território está na faixa tropical do planeta. A faixa tropical do planeta é aquela delimitada pelos Trópicos de Câncer e de Capricórnio. É claro que esses limites são geométricos e evidentemente é possível encontrar características tropicais em latitudes um pouquinho maiores (até uns 30°S ou 30°N mais ou menos).
Além dessa definição geométrica de trópicos, baseada na inclinação do eixo terrestre, podemos considerar outras definições, por exemplo:
– A região em que o balanço de radiação (quantidade de radiação que chega do Sol menos a quantidade de radiação terrestre que escapa da Terra) é positivo;
– A região em que o movimento do ar é majoritariamente ascendente (o ar sobe, formando as nuvens) e a pressão na superfície é normalmente baixa (quando comparada a outras regiões): o balanço positivo de radiação mencionado no ponto anterior leva a um movimento do ar majoritariamente ascendente, se compararmos com os subtrópicos. Essa circulação é chamada na literatura de Célula de Hadley em homenagem ao cientista George Hadley. Em 1975, Hadley propôs que o excesso de radiação nos trópicos poderia levar a um movimento ascendente de ar e a um movimento subsidente (movimento de cima para baixo) nos pólos, obedecendo aos princípios de continuidade. Estudos posteriores mostraram que o modelo de Hadley estava incompleto e agora também falamos nas células de Ferrel. Prometo abordar isso com mais detalhes em posts futuros.
– Podemos também dizer que os trópicos são a região em que o vento sopra principalmente de leste (até aproximadamente ± 30° latitude), exceto pelas monsões regionais. Os alísios sopram da alta subtropical em direção ao equador. Os ventos alísios convergem na Zona de Convergência Intertropical (ZCIT ou ITCZ, de acordo com a sigla em inglês). A ZCIT normalmente destaca-se em uma imagem de satélite, pois pode ser identificada como uma banda de nuvens em torno do Equador.
– Também podemos dizer que os trópicos são a região em que a amplitude anual de temperatura é igual ou menor que a amplitude diária de temperatura. E aqui entra justamente aquela história de que em São Paulo temos as quatro estações do ano no mesmo dia. Quero dizer que se pegarmos a variação anual de temperatura de uma cidade tropical e compararmos com a variação da temperatura ao longo de um mesmo dia, teremos que a amplitude térmica diária será muito maior.
Claro que há dias com amplitude térmica menor. Um dia bastante nublado na cidade de São Paulo, por exemplo. Hoje (26/09/2012), enquanto escrevo este post, a mínima foi de 11°C e a máxima não ultrapassará os 18°C, de acordo com a previsão do tempo. Mas de um modo geral, o que acontece nos trópicos é: amplitude (podemos substitutir amplitude por variação) de temperatura durante um único dia é normalmente maior do que ao longo de um ano todo.
– E agora vamos a minha definição favorita: é a região em que as estações do ano são melhor descritas por estação seca e estação chuvosa, uma vez que, ao longo de um ano, a quantidade de chuva varia muito mais que a temperatura. E agora vamos repetir os climogramas que tanto amo. Um climograma da cidade de São Paulo:

E um climograma da cidade de Bagé-RS:

Reparem como na cidade de Bagé-RS, que está localizada bem ao sul do Região Sul e já não possui tantas características tropicais, a chuva é melhor distribuída ao longo do ano quando comparamos com a cidade de São Paulo-SP. Se fôssemos descrever o clima de Bagé-RS para um estrangeiro que viesse visitar o país, seria melhor se usássemos a temperatura. No entanto, quando falamos em São Paulo-SP, a chuva é uma característica bem mais marcante. Veja como temos uma estação chuvosa e seca bem marcada!
E é nessa tecla que eu quero bater: a chuva/seca é o que melhor define o clima na maior parte do Brasil. A única certeza que temos do início da primavera é que ela coincide com o início do período das águas, o início da Estação Chuvosa. Por essa razão, posso dizer que fico até um pouco irritada quando a imprensa fica batendo na mesma tecla sempre, falando que o ‘clima está louco, veja só, temos frio na primavera’. Claro que o frio pode chegar, pode ocorrer por 1 semana ou até menos. O frio vem logo após a passagem de uma frente fria (que geralmente traz chuva), quando uma massa de ar polar (mais frio) predomina nas Regiões Sul, Sudeste, sul do Centro-Oeste e sul do Nordeste. Mas o frio dura muito pouco. O importante é focar na chuva.
Muitos livros didáticos definem as estações do ano da seguinte maneira:
Primavera: nesse período, as flores surgem e o frio vai embora!
Verão: nesse período, o calor é intenso
Outono: nesse período, as folhas caem e já não faz tanto calor
Inverno: muito frio!
E reparo que não apenas os livros didáticos focam-se nesta definição. Isso é repetido pela imprensa também. Deve ter a ver com outra música. Por favor, leiam este post.
É evidente que devemos acompanhar a previsão do tempo e ver os valores das temperaturas máximas e mínimas. É uma forma de fazer nosso planejamento, de verificar se devemos levar casaco ou guarda-chuva quando saímos de casa. Aliás, a massa de ar frio chegou ontem e eu vi muita gente desprevenida. E hoje não tem desculpa! A previsão do tempo está disponível até em celulares. O que quero dizer é que o que marca nosso clima é a chuva. Com exceção de alguns gaúchos (que vivem no sul do Rio Grande do Sul), a maior parte do Brasil possui características tropicais. Ok, embora os moradores da Região Sul não esteja, geograficamente falando, na região dos trópicos, a influência tropical ainda é muito grande e o clima dessas regiões ainda apresenta muitas características tropicais. O ponto mais ao sul do território Brasileiro (o Arroio Chuí) está a 33° 45′ 03″ S. Sabendo que o Trópico de Capricórnio está em 23,5°S e que o saldo de radiação é positivo até mais ou menos 30°S (e 30°N), não podemos dizer que temos características 100% subtropicais.
Por essa razão, encaro esse post como um apelo aos jornalistas. Vamos mudar o foco da cobertura do tempo e do clima brasileiro. Vamos ESCLARECER e não confundir.
Fontes:
– Material excelente e gratuito (basta inscrever-se gratuitamente) do programa COMET da UCAR.
– O mapa do Brasil (que está sem escala, desculpem colegas geógrafos e cartógrafos) achei aqui.
Sensacional! Ficou louca qdo o povo fala que o mundo vai acabar…rsrsrs