Eu passei a maior parte da minha vida evitando “parecer sabichona”.
Até meus 14-15 anos, eu era uma criança aparecida. Dessas que quer mostrar pra todo mundo que é inteligente, que está sabendo das coisas. Eu lia bastante, é verdade. Mas eu estudava em uma escola fraca, em um bairro da periferia, então naquela situação eu talvez estivesse acima da média.
Quando completei 15 anos, fui estudar em outra escola. Tinha vestbulinho pra entrar, então foi a primeira peneira da minha vida. Consegui passar, mas quando cheguei lá percebi que não era tão inteligente assim. Na verdade, conheci amigos com conhecimento e habilidades muito, mas muito superiores. Quando entrei na faculdade então, foi um choque ainda maior. Lembro com tristeza da minha primeira nota abaixo de 5, mesmo tendo estudado bastante. Mas esses choques foram bons para mim. Pude entender que não sei tudo. Aprendi a não ser arrogante. E desde meus 15 anos faço de tudo para não parecer arrogante. Para não parecer aquela menina de 9 anos que corrigia o professor.
Eu me convenci de que não sou arrogante. É convencimento. Porque eu sou dessas pessoas que tem medo de magoar os outros. Então ouço besteiras e fico quieta. Eu seria insuportável se ficasse corrigindo as pessoas o tempo todo, além de deselegante, claro. Quando a besteira é inofensiva, apenas ignoro. Quando tento corrigir, há aqueles que não acreditam que eu sei. E consigo ver os olhos fazendo julgamentos estranhos. Achando que sou arrogante e tal.
Talvez esses julgamentos tenham a ver com a configuração de nosso país: além da escola ser péssima, as pessoas em geral não tem o costume de ler. Não tem o costume de adquirir cultura. Muitos passam suas noites com a TV ligada na Globo. Não assistem um documentário, não leem jornal, não veem um filme ou série mais crítico, não leem um bom livro. Preferem gastar com roupas do que em livros ou um passeio cultural. E olha, estou falando aqui da classe média ou média alta. Gente que tem dinheiro para gastar, que poderia investir em cultura.
Certa vez, passei alguns dias em Florença e foi um dos melhores passeios da minha vida. Visitei a Galleria Degli Uffizi, o Museo Galileo (melhor museu do mundo), o Palazzo Pitti, o Museu de Arqueologia e fui a algumas livrarias. Encontrei alguns brasileiros pelo caminho. Muitos só queriam saber das grifes caras, das bolsas falsificadas quase iguais as originais (exibidas pelos imigrantes africanos nas portas das lojas, depois que elas fechavam), etc. Vi gente tirando fotos na frente das lojas de grife (oi?). Claro que eu não me acho “a única”. Sei que havia outros brasileiros nos museus, com conhecimentos em arte e história infinitamente superiores aos meus. Também não sou recalcada e ilógica: sei que muitos podem comprar uma bolsa de grife E visitar o museu. Mas o ponto é que vi muitos nessa ostentação absurda, saindo das lojas falando alto e bradando sacolas. Pareciam que nem notavam que estavam no berço do Renascimento. Vejo essa ostentação por aqui o tempo todo. Shoppings cheios, gente comprando tudo, gente falando alto, sem consideração ao próximo e sem repertório.
Quando tento ter uma conversa mais profunda ou falar de algo que tenho interesse, algumas pessoas me julgam arrogante. Quando digo que fui à um determinado museu, dizem que sou arrogante. Esses cabrestos estúpidos que a sociedade coloca em você. Quando um homem diz que gosta de arte, é considerado gay (e sabem, gay ainda é considerado como xingamento por muitos). Quando uma mulher gosta de futebol, é lésbica (igualmente considerado como xingamento por muitos). Quando ela gosta de ciência, quadrinhos, ficção científica ou qualquer coisa “do universo masculino”, ela é esquisita ou diferente (já ouvi isso centenas de vezes, deveria ter pedido R$1.00 a cada vez e trocar por cervejas ou uma bicicleta).
Hoje mesmo eu estava falando sobre a segurança hídrica e as mudanças climáticas no twitter. Falava de uma notícia do Portal Terra. Apareceu então um negacionista do aquecimento, já conhecido de minha timeline. Ele claramente nem tinha lido o AR5 ou sabia como o IPCC era organizado. Mas falando mal de tudo, criticando tudo. Não consigo acreditar que as pessoas ainda tem essa postura, diante de tantas evidências do aquecimento global. E o cara achava que estava com conhecimento de causa, que estava arrasando no conhecimento. Outro caso recente foi de um certo colunista (ou colónista, como disse a Sabrina uma vez rs) – o tal Trovão da Razão – que estava falando que agroecologia era ‘coisa de comunista’. Resumindo, o que ele dizia era que agroecologia = coisa de comunista. Só faltou dizer que a agroecologia é para os comunistas plantarem maconha que é uma droga perigosíssima e tal (rs) pq todos comunistas curtem maconha e quem é de esquerda claro, ama Stalin. Ele nem sabia o que era agroecologia. Disse que a Fiocruz (que estava organizando um debate sobre o tema), era uma entidade ‘doutrinadora’.
Agora acompanhem meu raciocínio: o sujeito não sabe o que é agroecologia (deixou isso muito claro), mas ainda assim quer dizer que o tema está sendo usado para “doutrinar sobre o comunismo”. Quem será que está doutrinando? O comportamento do Sr. Trovão da Razão me lembrou o daqueles pastores que falam diversas bobagens no púlpito, vomitam preconceitos, com a intenção de doutrinar.
O mesmo para o sujeito do Twitter. Pelos tweets, ele claramente não sabia o que era IPCC. Percebam, o sujeito não sabia do que estava falando. Ele falava que o IPCC tinha “dogmas”, sem nem mesmo conhecê-lo. E repete esse tipo de groselha em um blog, negando o aquecimento global. Isso não é doutrinar?
A propósito, – e até separei isso numa caixinha, porque é relevante, mas não tem muito a ver com o texto – homens tem uma facilidade em agir dessa forma. Já perceberam? Basta ser homem branco que tá tudo bem, você pode falar a besteira que quiser e vão te apoiar, vão achar que você tá certinho. Se você tem uns 40 anos e usa terno ou sport fino então, fechou!
Então eu percebi que chegou a hora de eu mostrar minhas garras, de empunhar minha bat’leth. Eu já sei e já me convenci que não sou arrogante, eu não me acho sabichona, tanto que tô aí sempre lendo, tentando ser alguém mais inteligente. Mas eu não posso me calar diante de todos os absurdos que leio e escuto por aí, me calando apenas por medo de “parecer arrogante”. Eu sei quem eu sou! É hora de perder o medo.

E se acharam que “sou arrogante”, como dizia um cantor que eu admirava muito e que infelizmente já foi para o Sto-Vo-Kor:
Deixa que digam / Que pensem, que falem.. [Jair Rodrigues]
Curti o texto 🙂
Eu também fui dessas crianças que queria mostrar tudo o que sabia fazer e que falava aos montes. Isso não chegava a ser um problema até eu entrar na faculdade. Na escola que eu estudei quase todo mundo era um pouco assim: queria falar sobre coisas, ter opinião, posicionamento. Mas eu estudei numa escola com pessoas muito privilegiadas, não só no quesito de dinheiro (o pessoal não era rico, mas ninguém ali tava passando fome e todo mundo tinha algum dinheiro pro lazer), mas principalmente no quesito “cultura”. O meu colégio estimulava bastante a leitura e a arte, e em geral os pais dos alunos eram de esquerda. Enfim, era um ambiente bacana, mas totalmente fora da realidade :/
Quando entrei na faculdade foi um choque. Pra muita gente falar de política era falar mal de partido, xingar os deputados e falar em corrupção. Algumas pessoas me perguntaram porque eu estudava alemão, não entendiam qual o meu interesse em aprender a língua dos nazistas (oi? haha).
To falando isso porque nesses últimos anos que eu fui tirada da minha posição de conforto percebi que ser chamada de arrogante pode ter sentidos bem diferentes.
Um deles é quando simplesmente querem te desqualificar. Quando acham que vc ta falando demais, ta enchendo o saco demais. É bem isso o que vc falou, a pessoa tá lá altamente desinformada, falando qualquer tipo de bosta sem ter nenhum tipo de embasamento simplesmente porque sim. Concordo com vc, nesse caso: foda-se. Essas pessoas (que em geral são homens que não se dão ao trabalho de pesquisar nada porque acham que estão certos justamente por se julgarem naturalmente inteligentes e corretos) não merecem a nossa paciência. Dialogar com elas costuma ser inútil. E elas vão nos achar arrogantes se a gente trouxer um texto que fale melhor sobre o assunto justamente porque ela não lê nunca e ou só lê colunas tipo Reinaldo Azevedo (risos).
Outras vezes as pessoas acham arrogantes aqueles que falam nas conversas do dia a dia sobre assuntos que não sejam futebol, balada, encher a cara e falar mal dos outros (não to dizendo que tem problema em falar disso). Eu não sei bem porque isso acontece. Acho que é porque as pessoas passam o tempo todo só vendo 9gag e portas dos fundos, tudo é muito baseado na piada e na zoeira. Aí compartilham alguma notícia sobre como o Brasil não presta no face e já se sentem de consciência limpa. Aí se vc fala de qualquer assunto que não seja piada ou da vida de alguém parece que incomoda, né? Eu tenho tido muita essa dificuldade. Adoro falar sobre a vida alheia, mas só isso cansa…
Mas tem um outro lado que pode existir em ser chamada de arrogante e que eu acho que é importante a gente prestar atenção. Às vezes ficar falando de forma técnica ou de teorias com pessoas que tem menos acesso ao conhecimento que nós pode ser sim bastante arrogante e até mesmo intimidador. Por mais que exista internet hoje, o acesso ao conhecimento se da de N formas que não só de maneira solitária lendo blogs, jornais e baixando pdfs por aí. Ter pais/estar em ambientes que incentivem esse tipo de leitura e discussão faz muita diferença, além do que ter tempo pra poder refletir e se informar sobre assuntos muitas vezes acaba sendo um privilégio :/ por isso acho que a gente tem que tomar um certo cuidado pra não fazer com que essas pessoas não se sintam acuadas, intimidadas ou até mesmo humilhadas por causa das nossas argumentações e conversas. É mais um cuidado que a gente tem que ter quando for fazer alguns tipos de fala…
Nossa, escrevi um monte! Haha é que eu tava pensando nisso ontem, aí li o seu texto e me deu vontade de compartilhar aqui o que eu tinha pensado hehe eu concordo com seu texto! Só acho importante pontuar que existe diferentes situações em podemos ser chamadas de arrogante 🙂
Olá Juliana!
Adorei seu comentário.
Acho que a gente tem que usar um filtro: quem disse que você é arrogante é um amigo, alguém que você tem estima e que vc sabe que quer te ajudar? Então ótimo, vamos ouvir o que essa pessoa tem a dizer, porque certamente é um bom conselho. Não pode se ofender com tudo que nos dizem, porque muitas vezes é dito com boa intenção, para favorecer nosso crescimento.
Gostei mesmo que você levantou esse lado =)
Abraços!