Percebi que gravidez é uma grande fonte de desinformação e pseudociência. E não foi agora que percebi isso: já nos primeiros episódios da minha série sobre gravidez eu tenho observado que as pessoas deixam se levar pelo mito, pelo mágico e pelo sobrenatural. A gravidez é realmente um estado mágico, sentimentalmente falando, de espera e amor pela nova vida que vai chegar. Mas não é mágico no sentido de misterioso!
Em um post recente, falei dos partos normal x cesariana. Sei que estou sendo bastante genérica ao usar o termo parto normal. Algumas pessoas preferem o termo parto natural, que considera uma quantidade nula (ou próximo disso) de procedimentos médicos. Outros gostam do termo parto natural/normal humanizado, com procedimentos que respeitam a mulher e o bebê. Como essas classificações são bem subjetivas, me refiro a parto normal por aquele em que o bebê sai da vagina e parto cesariana por aquele em que é necessário fazer um corte na barriga.
Sobre o rótulo humanizado: eu acredito que TODO atendimento médico-hospitalar deve ser humanizado. O processo de humanização tem que ocorrer desde o atendimento no balcão até o respeito e amor ao paciente acamado. E quando falo em respeito ao paciente, também acho que o paciente deve receber informações sobre seu tratamento e pode opinar quando o médico lhe oferecer opções de tratamento. O compartilhamento da informação é parte do processo de humanização, no meu ponto de vista.
A elevada quantidade de cesáreas fez surgir uma ‘cultura da cesárea’ (também discuti isso nesse post e desculpem se estou sendo repetitiva). Chegou ao ponto de me chamarem de corajosa (?) por querer um parto normal. Mas além desse lado, há o lado do ativismo. E nem sempre o ativismo caminha junto da ciência e do bom senso.
O lado do ativismo é aquele mundo dos partos normais em casa na piscina de plástico. É o exagero sobre o protagonismo no parto! Eu vejo tudo isso com desconfiança. Muitas mulheres morreram em suas casas, nas mãos de parteiras, porque o parto foi difícil, o bebê era muito grande, não houve dilatação, a mãe tinha alguma doença/condição pré-existente desconhecida, etc. Todos que como eu tiveram pais e/ou avós que vieram da Zona Rural sabem do que estou falando. Mesmo aqui na cidade grande isso acontecia. Um colega meu, um professor de quase 80 anos que sempre viveu em São Paulo-SP, conta com lágrimas nos olhos que a mãe dele morreu quando ele tinha apenas 7 anos de idade, durante o parto da irmãzinha.
Por isso, o bom senso, a ciência e as estatísticas me dizem que parto tem que ser feito em um hospital. Num hospital com uma boa ala de maternidade, com UTI, com incubadoras, etc.
Depois dessa longa introdução, vou explicar porque o título desse post é: problemas no fluxo de conhecimento. Tradicionalmente, a gente divide os cursos técnicos e universitários em humanas, exatas e biológicas.

Só que em geral, nas Universidades, a possibilidade de fazer cursos eletivos de áreas diferentes da que se cursa é muito pequena ou inexistente. Além disso, as disciplinas básicas de cada uma dessas áreas que a gente cursa durante o Ensino Médio não estimulam o raciocínio crítico, porque tudo é voltado para o vestibular, ou seja, decoreba.
Por essa razão, vejo estudantes universitários de Meteorologia achando que homeopatia é a melhor coisa do mundo e vejo alunos de Letras achando que a astrologia explica o comportamento humano. Vejo alunos de Engenharia dizendo que os cursos de humanas são fáceis. Vejo alunos de Física entrando em delírios religiosos. Vejo alunos de Química mandando os comunistas irem pra Cuba. Vejo alunos de Matemática dizendo que é inútil ler livros clássicos. Dentre outros exemplos absurdos. Talvez quem fique mais “de boa” nesse sentido são os alunos de Biologia, pelo menos é o que observo. Acho que é porque eles tem aula de História da Ciência e Filosofia (pelo menos nas grades curriculares que já vi). E não sei, acho que essas disciplinas auxiliam no pensamento crítico.
Semana passada mesmo me aconteceu uma coisa curiosa. Uma colega minha, inteligentíssima, estudante de Letras e participante de movimentos comunitários, me encontrou no ponto de ônibus e começamos a conversar. Ela perguntou como eu estava, como estava o bebê, etc. Então ela perguntou se eu já tinha optado pelo parto. Disse que gostaria de ter um parto normal. Foi então que a conversa ficou meio maluca.
COLEGA: Parto normal? Você diz, cesariana? Porque é o que todo mundo faz hoje!
EU: Não, amiga! To falando parto normal, quando a criança sai pela vagina. Mas to falando em parto normal no hospital.
COLEGA: Pra mim, quando nasce uma criança é igual quando nasce um cabritinho, porque fui criada nesse contexto. Acho que as crianças tem que nascer em casas
EU: Mas um cabritinho não foi programado, planejado, não tem pai ou mãe que esperam por esse momento. Não tem avós, colegas, amigos, uma vida em sociedade, etc. Se a mãe cabritinha morrer, os cuidadores vão ficar tristes e tudo mais, mas a perda é totalmente diferente da perda de um filho ou de uma mãe, porque cabritinhos não são seres sencientes e nem sapientes.
COLEGA: …
Vejam, não sou uma chata-caxias-irritante o tempo todo. Mentira, sou muitas vezes! Mais do que gostaria, é verdade. Mas não consigo me calar diante de certas coisas! Eu entendo o que minha colega quis dizer e não me ofendi. Sim, biologicamente falando, eu e a dona cabrita ficamos grávidas do mesmo jeito (isso soou estranho rs) e as cabritas tem seios e alimentam os seus descendentes. O bebê nasce também mais ou menos do mesmo jeito. Mas durante o parto, cabritinhos podem morrer. E a dona cabrita também pode morrer. Só que a família dos cabritos não fica muito triste com isso. Os cuidadores dos animais ficam um pouco, mas depois arrumam outro animal. Nem preciso dizer que é completamente diferente do que com o ser humano.
Não consigo entender como essa colega, tão inteligente em sua área, não consegue usar o raciocínio crítico em outra área do conhecimento. Em outra questão bem atual, um colega mencionou o exemplo dos transgênicos. Tem gente que é radicalmente contra o cultivo de espécies transgênicas e usa argumentos estranhos como “podem ocorrer mutações nos seres humanos”. Só que pesquisadores da área, avaliados por seus pares, não fazem esse tipo de alarde em torno dos transgênicos. Recomendo inclusive esse excelente podcast do Scicast sobre Alimentos Transgênicos. Quem ainda tem dúvidas, vai ver que há sim várias críticas contra o cultivo de transgênicos, mas nenhuma com relação a mutação em seres humanos. Em sites de grupos de ativistas, já li até que transgênicos causam câncer (sem nenhum artigo científico que comprovasse isso).
Ou seja, como eu disse anteriormente, o ativismo nem sempre anda lado a lado com a ciência. E a ciência nem sempre tem lobby suficientemente forte para chegar até os tomadores de decisão. E mesmo dentro das três grandes áreas do conhecimento, o saber não circula eficientemente e temos muita ignorância científica e social. Acho que chegou a hora de abrirmos nossas mentes e buscarmos um conhecimento multi e transdisciplinar. Sabe aquela história de Conhecimento Geral? Então, a gente precisa disso. Quando vejo provas como o ENEM, que prezam bastante por esse tipo de conhecimento, fico animada. Porque quem sabe, em um futuro próximo, teremos profissionais que tenham essa visão geral.
Tem uma cena no filme “Eu, Robô” quando o personagem do Will Smith vira para a personagem de Bridget Monayhan e diz: “Você é a pessoa inteligente mais burra que eu conheço!” Na hora lembrei de um monte de gente que conheço e que é bem assim. Sinceramente não sei o que se passa na cabeça de certas pessoas. Certa vez um colega me questionou se eu acreditava que o ser humano tinha realmente chegado a Lua. Ao responder que “Acredito, lógico!” ele me olhou espantado: “Não acredito que um cara tão inteligente acredite nisso”. Eu que não acreditei quando ele começou uma papagaiada sobre propaganda norte-americana na Guerra Fria e um monte de baboseiras tão tronchas que deixaria os criadores de programas da History Channel com inveja para explicar porque não acreditava! Foi tanta besteira, que nem quis argumentar com ele. Só que esse cara é mestre em Geografia e tá caminhando para um doutorado!
Nessa questão mesmo da gravidez aí é que o bicho pega! Tanta coisa maluca eu e minha esposa temos visto por aí. Lembro de ter comentado com ela que muitas das pessoas que são ativistas dos chamados partos normais em casa sem intervenção médica nenhuma me lembram aqueles episódios de Jornada nas Estrelas que renegam o uso da tecnologia a todo custo. Tem inclusive um episódio muito bom em Deep Space Nine em que Sisko se vê confrontado com um grupo desses.
Eu concordo que muito apego a tecnologia (como vemos hoje em dia com seus smartphones e gadgets variados) um pouco nocivo de fato. Mas também ignorar totalmente os benefícios que ela nos trás como uma total tolice. Mais uma vez aqui o bom senso é a norma.Ou ao menos deveria ser né!
Procuro respeitar e tentar entender a opinião e opção de cada um, mas tem certas coisa que são complicadas porque beiram o fanatismo e a total falta de bom senso, principalmente quando se coloca em risco algo tão precioso e único como a vida!
Abraços em você e no bebê, Sam!
Olá Beto. Olha, não é “puxando o saco”, mas vc e a Sybylla são os comentaristas mais legais desse blog =). Adoro ter o privilegio de termos nos encontrado na internet.
E você vê, um sujeito q está caminhando para o doutorado em Geografia se vê questionando fatos de “teoria de conspiração”, de History Channel, como vc disse! Por isso digo, parece que há um problema no fluxo do conhecimento, não sei bem… parece que o que a comunidade científica de uma determinada área fica “fechada” e falha em divulgar seu conhecimento para outras comunidades científicas.
Eu conheci uma moça inteligentíssima, da área de exatas. Ela era realmente impressionante, ia bem em todas as matérias, sempre se sobressaia. Tanto que lhe sugeriram doutorado direto! Pois então, ela acreditava piamente na homeopatia. Sempre citava um caso de ter sido medicada dessa forma quando criança e de tudo ter dado certo. Mas gente, ela é uma pessoa saudável! Certamente tinha boa alimentação, vivia em um ambiente higiênico, com saneamento básico. Dessa maneira, fica fácil. Quero ver tratar crianças doentes de cólera e verminoses com homeopatia!
Sobre esses grupos de ativismo pelo parto natural, juro que leio tudo e tento tirar o que considero bom e o que considero ruim, de acordo com outras coisas que conheço, com meu bom senso e com o meus pontos de vista. Entendo que o ativismo surgiu devido aos alarmantes níveis de violência obstétrica e aos também alarmantes níveis de cesarianas no Brasil. Consigo entender tudo isso! E isso forçou o surgimento do ativismo, mas o ativismo precisa se pautar no bom senso e no conhecimento científico. Quando vejo artigos médicos e entrevistas, entendo que a falta de atendimento seguro durante um parto pode gerar complicações seríssimas.
E se vamos lutar pela humanização do parto, precisamos lutar pela humanização do ambiente hospitalar como um todo. Até uma cesariana pode ser humanizada, desde que toda a equipe trate a gestante com respeito e carinho, respeitando seus desejos quando possível. Para ser mais geral, acredito que qualquer procedimento hospitalar pode e deve ser humanizado. E para ser mais geral ainda, a vida em comunidade em todos os espaços tem que ser mais humanizada. Precisamos aprender a ser mais gentil e a olhar ao redor. E esse vício em gadgets, como vc mencionou, muitas vezes acaba nos afastando desse ideial!!!
Abraços pra vc, pra Geane e para o/a bebê de vocês. E que tenhamos iluminação e sabedoria para cuidarmos e educarmos dos nossos filhos!!!
Gravidez é uma coisa louca. Eu e minha esposa temos duas filhas, a primeira foi parto normal e a segunda de cesariana. Sempre tivemos essa preocupação com a humanização do parto, mas nunca abrimos mão do hospital. No entanto, no nosso caso, a cesariana foi muito mais tranquila que o parto normal em todo processo (inclusive pós-cirúrgico), o que contou bastante para a boa experiência do segundo parto foi que o hospital respeitou (quase totalmente) a lei do acompanhante.
Como você falou existe um pouco de desinformação a respeito do parto e algumas mães querem evitar a cesariana a todo custo, inclusive quando há indicação para isso. Claro que tem muitos casos de médicos folgados que não querem ficar prontidão… o obstetra do primeiro parto nos tratou bem mal por termos preferido fazer parto normal com o plantonista.
Com relação a pessoas que em teoria tem formação científica e acreditam em pseudo-ciência… o que me dá raiva é quando querem dar uma explicação com ares de ciência para se justificarem. Quando alguém diz que acredita na cura por imãs porque é um milagre eu não me incomodo (qualquer um que acredita em Deus pode acreditar em milagre), mas quando diz que os imãs ionizam agentes patógenos dai tenho vontade de vomitar.
Olá Toshio, que bom vê-lo por aqui!
Adorei ler o relato seu e de sua esposa. Muito equilibrada e mostra o ponto de vista de um casal que passou por isso. Cada parto e cada experiência é diferente. E eu estava conversando algo bem pertinente com uma amiga: o que conta é tudo ficar bem. A mãe ficar bem, saudável e a criança também. É isso que importa! E infelizmente em alguns casos o ativismo acaba provocando ansiedades descabidas. Muitas mulheres ficam deprimidas porque o parto não saiu do jeito que ela queria (gente, parto pode ter intercorrência!), mas deu tudo certo no final e ela não valoriza o sucesso. Triste…
Achei muito interessante seu ponto de vista com relação a explicação com “ares científicos”. Sempre penso no quanto a física quântica é coringa para essas explicações absurdas rsrs. Por outro lado, se o sujeito quer mesmo acreditar que os imãs vão salvar sua vida e usar isso como “fé”, sei lá né, o cara tem direito disso rsrs.
Abraços =)