Na verdade, a onda de frio atingiu os estados da Região Sul, parte da Região Sudeste e parte da Região Centro-Oeste. Em várias localidades, principalmente São Paulo, Curitiba, Florianópolis e Porto Alegre, as prefeituras ficaram em alerta para socorrer os moradores de rua, maiores vítimas do frio extremo. Infelizmente alguns moradores de rua morreram em São Paulo-SP, denunciando mais uma vez a situação dessa população invisibilizada.
Pelo Twitter e em diversas notícias pela internet, soube de pessoas que se solidarizaram em iniciativas individuais ou de pequenos grupos para ajudar essas pessoas em situação de marginalização. Soube de distribuição de agasalhos, comida e cobertores. Nessas horas acredito num mundo melhor, com pessoas que se preocupam com as outras.
Nesse post, pretendo falar sobre o frio dos últimos dias. Eu vou falar basicamente dos dados meteorológicos de São Paulo-SP, pois são os que tenho mais acesso, mas vou mencionar outras localidades ao longo do texto.
A imagem acima foi compartilhada na fanpage da Estação Meteorológica do IAG-USP e estava vinculada a esse post específico. Essa instituição registrou a menor temperatura do século XXI até agora (lembrando que é 2016, esse século praticamente começou quase agora!), que foi esse 1,3°C registrado no dia 13/06/2016. Vou reproduzir parte da notícia:
A temperatura mínima observada nesta manhã (13/06/2016) foi 1,3°C. É a menor temperatura já registrada neste ano e a menor temperatura registrada desde 2001.Em 17 de julho de 2000, foi registrado -0,2°C na EM-IAG- USP.A menor temperatura registrada em um mês de junho (desde 1933, início das operações da seção) é -0,5°C, em 20 de junho de 1942.E a menor temperatura ABSOLUTA já registrada na EM-IAG- USP é -1,2°C, registrada em três dias distintos: 06/07/1942, 12/07/1942 e 02/08/1955.



O Início do Inverno 2016 começa às 19h34 (sem horário de verão) do dia 20 de junho de 2016; e termina dia 22 de setembro de 2016, com o equinócio da primavera {x}.
Margem do rio Pelotas congelado/B.Jardim. Foto de Deivid Becker. pic.twitter.com/HmxM5RScnW
— CLIMATERRA (@Climaterra) June 13, 2016

Pense na atmosfera do planeta como uma pintura, uma obra de arte. Uma pequena pincelada, um detalhe no quadro, seria a geada, que é um fenômeno muitas vezes pontual. Entretanto, há um contexto maior (pintura toda) para compreendermos aquela pincelada.
A evolução típica da ocorrência de geada no Sul do Brasil inicia com a entrada de um anticiclone extratropical sobre a América do Sul, associado com uma massa de ar frio proveniente do Oceano Pacífico (Marengo et al., 1997). Esse sistema se intensifica ao propagar-se rapidamente pela Argentina, pois interage com onda topográfica gerada pela Cordilheira dos Andes (Seluchi e Neri, 1992; Gan e Rao, 1994).
Anticiclone é uma área de alta pressão, que desfavorece a formação de nuvens. E céu sem nuvens é a situação ideal para a formação da geada.
De acordo com Seluchi et al. (1998), a presença de um anticiclone à leste da montanha (nesse caso, à leste da Cordilheira dos Andes) propicia acúmulo de ar frio a noroeste das montanhas. Isso ocorre porque os Andes funcionam como uma barreira, canalizando e acumulando o ar frio.
Entretanto, é preciso considerar também o que acontece nos níveis mais altos da atmosfera, pois há troca de massa e de energia em todo o perfil da atmosfera. E essa análise do que acontece na superfície e do que acontece em níveis mais altos vale para qualquer fenômeno atmosférico e é algo que o meteorologista que trabalha com previsão do tempo faz operacionalmente, como parte de sua rotina diária.
Vejam que mencionei trabalhos que fazem estudos de caso sobre ocorrências de fenômenos meteorológicos no passado. O meteorologista operacional usa cartas sinóticas que usa dados observados e previsão para analisar o que está acontecendo em níveis mais altos e na superfície. E o profissional faz isso várias vezes ao dia.
A ocorrência de episódios de geada está relacionado com a presença de padrão nos níveis mais altos da atmosfera que chamamos de cavado. Cavado é uma região alongada no mapa de escoamento da atmosfera (“mapa com os ventos”), região essa com relativa baixa pressão atmosférica. Quando observamos cavados em níveis mais altos, normalmente há condições para se desenvolver uma frente fria naquela região.
Nota importante: eu não trabalho com previsão do tempo. Se algum colega ver alguma incorreção, peço a gentileza de me informar. Estou enferrujada nesse assunto e usei minhas notas de aula de sinótica para escrever esse texto
Se esse cavado for muito pronunciado (isóbaras muito próximas, muito marcado no escoamento), temos condições para o desenvolvimento de uma frente fria.
A imagem a seguir é e um estudo de caso dos últimos dias de Maio de 1979, em que frio intenso e geada foram registrados em diversos pontos da Região Sul e Sudeste do Brasil. É de um artigo muito importante na literatura sobre o tema (Fortune e Kousky (1983)). A linha tracejada mostra os cavados no nível de 500 hPa (em meteorologia, usa-se níveis de pressão ao invés de níveis de altura – a pressão varia com a altura).
A imagem (a) trata-se do dia 30 de Maio de 1979 e a imagem (b) trata-se do dia 31 de Maio de 1979. A letra A indica a região de alta pressão (anticiclone) em superfície. A letra C indica o posicionamento do ciclone (região de baixa pressão) também em superfície.
O cavado (no nível de 500 hPa ou 500 mb) é indicado pela linha tracejada, como mencionei. Nas imagens, a linha preta cheia a leste do cavado é o posicionamento da frente fria em superfície. As áreas sombreadas indicam regiões de ventos intensos em níveis ainda mais altos (250hPa), ventos que na ocasião ultrapassaram 500 m/s. Ventos intensos nesses níveis também favorecem a formação de frentes frias.
Na imagem acima, podemos observar condições ideias para a formação de uma frente fria. O artigo também mostrou que na ocasião, o escoamento também favorecia uma importante advecção de ar frio para as regiões afetadas, o que reduziu a temperatura e favoreceu a ocorrência de geadas.
Como mencionei anteriormente, pretendo falar de geada no próximo post (vou mencionar um artigo muito bom feito por um colega). Por enquanto, acredito que consegui falar brevemente sobre o assunto.
Bibliografia
Confira todos os artigos mencionados nesse texto aqui. Trata-se do material utilizado pelos alunos do Bacharelado em Meteorologia do IAG-USP. Eu usei parte desse material em meus anos de graduação e fico bastante feliz em saber que ele ainda encontra-se disponível para todos, não apenas para alunos do curso.
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