
Quando falamos em precipitação, estamos na verdade usando um termo técnico que significa várias coisas. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial, no capítulo 6 da Parte I do WMO GUIDE TO METEOROLOGICAL INSTRUMENTS AND METHODS OF OBSERVATION (pode ser consultado aqui):
Precipitação é definida como os produtos líquidos ou sólidos da condensação do vapor de água que cai de nuvens ou é depositado a partir do ar para o chão .
Ele inclui chuva, granizo, neve, orvalho, sincelo, geada e névoa precipitação. A quantidade total de precipitação que atinge o solo em um determinado período é expresso em termos de profundidade vertical de água (ou equivalente de água , no caso de formas sólidas de precipitação) que cobriria uma projeção horizontal da superfície da Terra. No caso da neve fresca (recém-precipitada), mede-se também a profundidade dessa neve e há regras para essa medição descritas na seção 6.7 do capítulo sobre precipitação (veja aqui).
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Achei importante a gente começar o post falando da definição de precipitação. E falar sobre precipitação sólida é uma extensão disso, já que vamos falar de hidrometeoros que referem-se a água no estado sólido. A ideia para esse post veio a partir dessa reportagem do G1 que me foi indicada pela Cátia Braga, amiga meteorologista que atua em Santa Catarina. Como Santa Catarina pode apresentar temperaturas bem baixas durante o inverno (o inverno da Região Sul do Brasil é mais rigoroso), a Cátia certamente tem pesquisado bastante sobre precipitação sólida para informar os telespectadores da RIC TV, onde ela trabalha.
A reportagem do G1 apresenta um infográfico que segundo a matéria, foi feito a partir de definições descritas no material da AMS (American Meteorological Society). De fato, a AMS tem um excelente glossário de Meteorologia, com os termos meteorológicos principais (de A a Z). Clique aqui para consultar, acho que é um ótimo material para consulta por parte de jornalistas, por exemplo. Sobre o infográfico do G1, vamos “dissecá-lo” no post.
O que é hidrometeoro?
De acordo com o glossário da AMS, qualquer produto de condensação ou deposição de vapor atmosférico, formado seja na atmosfera ou na superfície. Além disso, hidrometeoro também é qualquer partícula de água soprada pelo vento (água do mar soprada pelo vento, por exemplo).
Os hidrometeoros podem ser classificados de maneiras diferentes. Vou aqui usar a classificação empregada pela AMS e que eu achei bem didática:
- 1) Partículas líquidas ou sólidas que foram formadas na atmosfera e continuam suspensas na atmosfera: névoa, nuvens em geral, neblina, nevoeiro, nevoeiro congelante, etc;
- 2) Precipitação líquida: chuva e garoa, por exemplo;
- 3) Precipitação congelante: garoa congelante ou chuva congelante;
- 4) Precipitação sólida: neve, granizo, grãos de gelo, graupel, grãos de neve e cristais de gelo, por exemplo;
- 5) Partículas precipitantes que evaporam antes de atingir o solo: por exemplo, a virga que a gente vê em algumas nuvens.
- 6) Partículas líquidas ou sólidas que estão na superfície e são levantadas pelo vento: vento que faz um spray com água do mar ou água da chuva mesmo, neve que é carregada pelo vento, etc. Esses eventos podem prejudicar a visibilidade horizontal na superfície.


– Granizo miúdo: aqui acho importante destacarmos que granizo tem um processo de formação diferente de neve. Inclusive granizo acontece também em regiões tropicais, onde não há formação de neve – exceto em altitudes elevadas, claro. O granizo forma-se quando temos nuvens Cumulonimbus (Cb) bem desenvolvidas verticalmente (leia mais aqui). O granizo miúdo é um granizo cujo diâmetro é inferior a 5mm.

– Granizo: considera-se granizo quando o tamanho da “pedrinha de gelo” é superior a 5mm (veja aqui), podendo atingir o tamanho de uma laranja! É importante deixar claro mais uma vez que granizo é diferente de neve (leia mais aqui).

– Chuva congelante: ocorre quando a precipitação sai líquida do interior da nuvem, porém se congela antes de chegar na superfície. Nesse post eu falo a diferença de chuva congelante (freezing rain) e candeeiros (icicles).
A chuva congelante (ou garoa congelante, depende do tamanho das gotas) ocorre quando a precipitação é líquida, mas enquanto cai, passa por uma camada com temperatura abaixo de 0°C. A chuva congelante é feita totalmente de gotinhas líquidas de água. Essas gotinhas caem da nuvem, como numa chuva normal. A diferença é que enquanto elas caem, elas passam por uma camada de ar frio, com temperatura abaixo do ponto de congelamento (0°C). Essas gotinhas então congelam, principalmente se ao atingirem a superfície encontrarem uma superfície bem fria {x}.
Eu não encontrei uma foto boa para mostrar a chuva congelante, até porque é meio difícil fotografar os “gelinhos”. Mas eu acredito que as descrições que mencionei acima ajudam a entender o fenômeno. A explicação a seguir (chuva congelada) vai nos ajudar a entender melhor essa questão.
– Chuva congelada: eu acreditava que chuva congelada fosse o mesmo que chuva congelante, mas o pessoal do MetSul me explicou a respeito da diferença. Inclusive é nesse ponto que o infográfico do G1 se confunde. Muito obrigada pela explicação, MetSul!
Então, chuva congelada (em inglês, sleet) já precipita na forma sólida. Há inclusive um infográfico do AccuWeater (leia mais aqui) que reproduzo abaixo e que mostra a diferença entre chuva congelada (sleet) e chuva congelada (freezing rain):

– Aguaneve ou Água-neve: da lista do G1, esse foi o termo que mais me surpreendeu. Comentei até com a Cátia Braga que nós meteorologistas brasileiros não temos tanta familiaridade com termos relacionados com precipitação sólida. Aguaneve (rain and snow mixed) são flocos de neve que se derretem parcialmente conforme vão caindo da nuvem. Também não achei nenhuma boa foto para ilustrar, porém a gente pode imaginar a “meleca” que isso causa.
– Sincelo: falei sobre sincelo nesse post. Sincelo é um fenômeno meteorológico que acontece em situações de nevoeiro aliado a uma temperatura de -2 °C a -8 °C e resulta do congelamento das gotas de água em suspensão quando estas entram em contato com a superfície. Quando sob um nevoeiro muito denso, pode produzir o mesmo efeito que uma nevada e ocorrer a precipitação de cristais de gelo em pleno nevoeiro, sem haver nuvens no céu {x}. É importante não confundir sincelo com geada (falei sobre geada nesse post). No tweet abaixo, geada registrada em São Joaquim-SC na manhã do dia 07 de junho de 2018 (hoje pela manhã).
TEMPO | Mínima hoje em Santa Catarina foi de 3,8°C abaixo de zero em Urupema. As fotos da forte geada em São Joaquim são de Mycchel Legnaghi do @sjonline. pic.twitter.com/nZ5o8air6o
— MetSul Meteorologia (@metsul) June 7, 2018

Posts adicionais
- Links para quem quer entender mais sobre precipitação
- Como funcionam as medições de precipitação?
- WMO SOLID PRECIPITATION MEASUREMENT INTERCOMPARISON
- Freezing rain, Wikipedia
- Glossário da AMS – Hidrometeoro
Dica de livro
Agora vou falar de um livro em português que é super recomendado para quem está iniciando seus estudos em Meteorologia. Meteorologia: noções básicas conta com um time de autores excelentes (Rita Yuri Ynoue, Michelle S. Reboita, Tércio Ambrizzi, Gyrlene A. M. da Silva), todos professores de cursos de Meteorologia de diversas regiões do Brasil.
Hoje, o jornal em qualquer mídia apresenta e explica a dinâmica meteorológica. Embora façam parte de um sistema complexo, os fenômenos meteorológicos são apresentados nesta obra de forma simples e didática, desde os conceitos básicos de composição e estrutura da atmosfera até a previsão do tempo e do clima e as mudanças climáticas. {x}
Vale muito a pena comprá-lo! Na obra, há material introdutório sobre precipitação. Um excelente ponto de partida, sem dúvidas. Comprando o livro a partir do meu link, você ajuda na manutenção do Meteorópole, já que eu recebo uma pequena comissão.
Update
Eu tenho leitores ótimos que quando fazem um comentário, é daqueles que vale mesmo a pena ler. O Nemo (o peixinho? o capitão? o ponto de inacessibilidade do Pacífico?um leitor bacana?) fez um excelente acréscimo a respeito de uma atualização de url da WMO:
Samantha sou o chato. E como chato com galochas devo dizer que o site dos documentos do
foi mudado para
public.wmo.int
Ao menos assim fui informado quando tentei seguir o seu link
Quem dera todo “chato” de internet fosse assim. Obrigada por nos informar! E sempre nos visite!
Samantha sou o chato. E como chato com galochas devo dizer que o site dos documentos do
http://www.wmo.int
foi mudado para
public.wmo.int
Ao menos assim fui informado quando tentei seguir o seu link
Isso não é chatice não, quem dera todo chato de internet fosse assim, hahaha.
Muito obrigada por nos informar e obrigada pela visita!
Samantha, voce sabe dizer o quão rígidos são os limites de temperatura para diferenciar o sleet do freezing rain? Tivemos um evento dessa categoria no oeste do Paraná no início de junho, com registro de vídeos em pelo menos duas localidades (na fronteira Brasil / Argentina) e, que pelos vídeos disponibilizados a precipitação aparentava estar na forma sólida antes de tocar o chão (sleet), contudo as temperaturas em superfície das estações próximas não mostravam valores abaixo de zero naquele momento, mas pela radiossonda de Foz do Iguaçu era possivel ver a alternancia de camadas mais frias com uma camada mais quente entre elas. A MetSul no evento não considerou como sleet, mas também não fazia sentido ser freezing rain. Não creio que estamos diante de uma nova categoria. Qual sua opinião?
Olá Marco,
Eu me lembro bem desse caso. Eu acredito que poderiam ser os dois tipos de precipitação misturados, na ocasião. Eu cheguei a pesquisar na bibliografia, para saber se há esses limites ou se há um outro nome, mas não consegui encontrar. Até deixo o convite aqui, caso algum leitor desse post saiba de algum artigo ou material técnico para acrescentar nessa discussão.
Obrigada pela visita!