Eu comecei a pensar nesse post no feriado e fiz até alguns esboços a respeito do tema. Bom, sem enrolação, tudo começou quando comecei a ler os comentários de um post antigo, que escrevi quando estava grávida do meu filho Q. No post, eu falo das simpatias malucas que as pessoas inventam para confirmar a gravidez ou descobrir o sexo da criança. E qual era o objetivo desse post? Bom, em primeiro lugar dizer que:
(…)A única forma de confirmar uma gravidez é através da determinação da presença (e concentração) da subunidade beta do hormônio HCG. Para verificar a presença e a quantidade desse hormônio, há testes de urina e de sangue. Os de sangue são feitos em laboratório e em muitos casos nem é necessário o pedido médico.
(…)
Com relação a determinação do sexo da criança, há apenas 2 formas de determinar: visual, através do ultrassom e através de um exame de sangue chamado sexagem fetal. O exame de sexagem fetal é meio caro (custa mais de 200 reais, normalmente) e pelo que sei quase nunca são cobertos pelos convênios. Desde o início da gravidez, células do feto estão circulando na corrente sanguínea da mãe. O exame consiste e na análise laboratorial do sangue materno, buscando por cromossomos Y. Se este não for detectado, o bebê trata-se de uma menina. Inclusive uma pessoa me disse (não confirmei a informação) que a manipulação e análise do sangue coletado é toda feita por mulheres, para minimizar riscos de contaminar a amostra e dar um resultado errado. Existe também uma versão vendida em farmácias (não me lembro de ter visto em farmácias do Brasil) desse exame de sexagem fetal. É o IntelliGender e noAmazon está menos de 30 dólares.{x}
Ou seja, quis deixar bem claro como são feitos os exames para confirmar a gravidez e determinar o sexo do bebê. Falei das opções de exames e mencionei as opções de farmácia, ou seja, aqueles kits que você pode comprar para essas finalidades. São evidentemente kits que possuem respaldo científico, com os reagentes apropriados, com bulas ensinando a técnica correta e claro, vários ensaios laboratoriais foram feitos para confirmar a eficácia desses testes.
Nunca utilizei esses testes de farmácia para determinar o gênero do bebê (acho que nem são vendidos no Brasil), mas já usei os exames de farmácia para confirmar a gravidez e eles tem uma eficácia altíssima. Tanto que se você chega em sua médica afirmando que fez um desses exames de farmácia e que ele acusou gravidez, a sua médica já vai te tratar como grávida e vai solicitar os primeiros exames de sangue e o primeiro ultrassom. Em outras palavras, o pré-natal muitas vezes já tem início a partir do resultado do teste de farmácia.
Uma vez me disseram que se o exame de farmácia atestou POSITIVO, quase que certamente você está grávida. No entanto, se atestou NEGATIVO, pode ser que você tenha feito o teste cedo demais (e esteja de fato grávida, mas de poucos dias e ainda não tem betaHCG suficiente circulando na sua corrente sanguínea). O exame é um tiro praticamente certo! Sempre leiam a bula e as instruções.
Bom, só que meu post não se resumiu a isso. Como curiosidade folclórica e pseudocientífica, mencionei também algumas simpatias e testes caseiros para a confirmação da gravidez ou determinação do gênero do bebê. É provável que eu tenha falhado em deixar claro que o Meteorópole é um blog onde falo sobre ciências e aqui essas coisas figuram apenas como curiosidades. E eu digo isso porque recebi alguns comentários um tanto bizarros no post. O post conta com 9 comentários, sendo 3 deles respostas minhas. Sendo assim, são 6 comentários de visitantes. Desses 6 comentários, 2 foram observações pertinentes e muito queridas do Humberto, amigo blogueiro do Habeas Mentem. Ele tem um filhinho praticamente da mesma idade que o meu Q e ele dividiu um pouco da experiência dele e de sua esposa. Um outro comentário foi uma pergunta direcionada ao Humberto (amo quando há essa interação positiva nos comentários de qualquer blog) e os outros 3 foram os comentários bizarros aos quais me referia.
Eu coloquei um dedo de xixi a msm quantidade de cloro .quando coloquei o cloro estimou muito quase derramou .E ficou cristalina .qual a medida certa de xixi e o cloro ?
Semana passada passei mal muita dor de cabeca e enjoou fiz um teste de farmacia deu negativo essa semana to sem sintomas mas engordei muito seis kilos esse mes meu paladar pede muito doce minha mestroacao e doida sem dia de vim mas esse mes ela nao veio ainda mes passado ela veio dia 10 hoje senti uma colica no pe da barriga e to srntindo peso ?
Oi gente olha não sei porque estou com essa duvida cruel minha barriga ta um pouco estranha sim não sei s é gravidez olha pq tive relação com meu marido depois da menstruação ir embora e antes de tomar a enjecao dai ele penetrou um pouco dentro e no dia seguente já era dia de timar a enjecao e tomei e esse mês minha menstruação agora q deu um sinal mas já foi embora e amanhã e dia de tomar ejeção de novo to na duvida s tomo ou não oque vcs tem p mim dizer ?
Os três comentários bizarros foram os que destaco em cores diferentes acima (podem ser lidos in loco no próprio post). Percebam que os comentários na cor azul e na cor roxa são dúvidas médicas. Eu realmente tento entender porque as pessoas compartilham suas questões médicas dessa maneira na internet. No blog do pediatra Hugo Rodrigues, que costumava visitar há algum tempo atrás, também notava perplexa como algumas pessoas parecem querer substituir uma consulta médica por uma pergunta na seção de comentários de um blog. E no caso, o Hugo é realmente pediatra. No meu caso, eu recebi perguntas sobre obstetrícia e eu sou meteorologista! Fiquei realmente preocupada.
Não sei se é a ansiedade ou o atendimento médico ineficiente (quero dizer, muitas vezes é difícil marcar uma consulta e em outros casos nem médico tem na cidade), mas eu percebo esse padrão de comportamento em sites de saúde em geral, no Baby Center, no E-family, etc. Além da pessoa tentar “se consultar” gratuitamente através da seção de comentários, a pessoa acaba se expondo, falando de coisas particulares. Não façam isso! Se a dúvida for muito grande e você acreditar que aquele profissional pode te ajudar, mande um e-mail pedindo informações. No entanto, saiba que o atendimento médico não deve ser feito assim. Nesse artigo da Escola Paulista de Medicina:
Nas consultas médicas consideramos que o primeiro contato deve ser, necessariamente, pessoal, facilitando o estreitamento do vínculo médico-paciente e a posterior eficácia de um relacionamento virtual via e-mail. Mesmo assim, ainda precisam ser analisados outros pontos para a prática médica via internet, como as questões relativas à ética profissional, o controle do exercício da profissão pelos órgãos reguladores, a comprovação da eficácia da terapêutica on-line, alguns problemas de confidencialidade e sigilo, a identidade (tanto do paciente como do profissional), bem como a ausência de informações. {x}
Ou seja, até tudo bem se seu médico te passar o WhatsApp ou o e-mail para você tirar dúvidas, porém sempre após a consulta presencial. E claro, devemos usar o WhatsApp com bom senso. Há um limite do que o médico pode fazer pelo WhatsApp e há toda uma questão de bom senso para o uso desse canal. Eu mesmo tenho o WhatsApp da minha médica e isso me foi muito útil, pois tirei algumas dúvidas sobre exames que tínhamos agendado. É um canal maravilhoso, mas deve ser usado com bom senso.
Um médico que nunca te viu na vida não pode simplesmente te examinar e fazer toda a anamnese através da seção de comentários do blog. As respostas do Hugo (pediatra que mencionei anteriormente) sempre eram informativas e diretas, já que ele age com toda ética que a profissão exige.
Ainda com relação aos comentários bizarros que recebi, o comentário na cor verde corresponde a algo que eu sinceramente não esperava alcançar quando divulguei as tais “receitas caseiras” (pois o fiz como mera curiosidade folclórica). Em outras palavras, há realmente quem faça esses testes e confie neles! E isso é assustador. Vejam, estamos falando sobre confirmar uma gravidez ou descobrir sexo do bebê, mas imagine só em todas as “dicas médicas” que as pessoas absorvem e tomam para si. Eu sei de casos por exemplo de pessoas que realmente prejudicaram o estômago e o fígado fazendo uma tal “dieta do limão” que viu na internet. Há quem trate doenças graves usando chás e plantas de maneira irresponsável, podendo gerar até uma intoxicação. E aí entra toda uma discussão de que as pessoas acham que “se é natural, é bom e não faz mal”. A natureza é perigosa, há inúmeras plantas tóxicas.
Mais uma vez, acho que as pessoas fazem isso por ansiedade para resolverem seus problemas ou obter diagnósticos rapidamente. Mas também há a questão do atendimento médico ineficiente, porque muita gente depende do SUS (que é bom para algumas especialidades e em algumas regiões do país, porém insuficiente em outras áreas do país) e não tem essa facilidade de marcar consulta quando quer. E convenhamos, mesmo quem depende de convênio médico muitas vezes esbarra em restrições, autorizações ou demoras para marcar consultas. Dentro desse contexto, muitos acabam apelando para “receitas milagrosas” ou para o Dr. Google e até se auto-medicando. Porém além dessas questões, o que me assusta também é a questão do analfabetismo funcional. Um número que ficou bem conhecido são os tais 8%: apenas 8% dos brasileiros em idade de trabalhar são considerados plenamente capazes de entender e se expressar por meio de letras e números, de acordo com estudo estudo conduzido pelo IPM (Instituto Paulo Montenegro) e pela ONG Ação Educativa (leia mais aqui).
Ou seja, temos um enorme problema no país: o analfabetismo funcional. Eu não sou pedagoga, mas vou colocar com as palavras que entendi a questão: as pessoas conseguem identificar as palavras de maneira isolada (casa, carro, festa, etc). Porém elas não conseguem juntar os significados dessas palavras dentro de uma frase ou texto. É o problema de interpretação de texto do qual as professoras de língua portuguesa falam há tantos anos e é real. E não apenas professoras de Português reclamam disso, já que não saber interpretar textos prejudica o aluno em todas as disciplinas.
Muita gente não consegue entender textos simples, como a bula de um remédio (e hoje elas são escritas com menos jargões, numa versão mais bem explicada) ou um pequeno texto informativo em um jornal distribuído gratuitamente no farol, por exemplo.
Fico pensando nessas coisas e imaginando que há muitos que chegam até meu blog e não conseguem entender o que quero dizer. Muitas vezes por culpa minha, porque realmente não soube me expressar adequadamente. Porém tantas outras vezes devido a um problema básico, algo que teria que ter sido trabalhado adequadamente na infância. E eu imagino que só pode ser por isso que eu recebo certos comentários bizarros (não apenas no post que mencionei, mas em tantos outros). As pessoas simplesmente não tem condições de ler o que escrevi e entender.
Porque quem não entende algum termo técnico ou parte do texto, faz uma pergunta pertinente direcionada ao ponto que deve ser esclarecido. E pelo tipo de comentário, quem escreve há bastante tempo em blogs nota quem quer discutir um ponto porque não o entendeu (questões técnicas, por exemplo) de quem simplesmente é analfabeto funcional. E no caso do tipo de conteúdo que abordo no Meteorópole, somam-se a essas questões a questão do analfabetismo científico.
A pseudociência na maternidade
Meu filho vai completar 3 anos e durante minha gravidez e ao longo desses anos, escrevi uma série de posts em que falo de minha experiência. Falei também sobre alguns temas da moda, como o colar de âmbar e a onda anti-vaxxer. Meu objetivo sempre foi falar sobre as coisas com racionalidade, colocando o conhecimento científico como uma ferramenta para tomarmos boas decisões nas escolhas para nossos filhos.
A vida de mãe sempre foi recheada de toques de pseudociência e crendices. É possível que eu fale mais sobre isso futuramente, mas como exemplo, já ouvi falar de casos de toda sorte de simpatias para curar doenças dos filhos e até atitudes muito perigosas muito, como colocar óleo morno no ouvido das crianças com otite. Casos de partos agendados para um determinada data para que a criança tenha um determinado signo também são frequentes. Enfim, apenas dois exemplos de como as mães se deixam levar pela pseudociência, crendices ou modismos sem fundamento.
Quando comecei a falar sobre maternagem aqui no Meteorópole, nunca quis dizer que meu jeito de ser mãe é o melhor ou o correto. Apenas quero apontar, para quem não tem familiaridade com conhecimento científico, que o conhecimento pode ser uma ferramenta ótima para te ajudar a tomar decisões sobre a saúde e o bem-estar do seu filho. A ciência pode trazer conforto e até esperança em muitos casos, principalmente quando estamos falando de tratamentos médicos.
E é por isso que fico extremamente incomodada com comentários como os que destaquei. Eles denotam falta de bom senso, problemas estruturais do país, analfabetismo científico e analfabetismo funcional. Fico pensando se com esse blog estou fazendo alguma coisa para combater isso e eu espero que ao menos uma sementinha esteja sendo plantada. Como diz o subtítulo de “O mundo assombrado pelos demônios“, de Carl Sagan: A ciência é uma vela na escuridão.
Estatísticas
Quando entro no Google Analytics e vejo as páginas mais visitadas do Meteorópole (veja imagem abaixo) fico surpresa que dos 10 posts mais visitados, apenas 4 tem relação com Meteorologia. Noto que as pessoas realmente gostam de tornados e furacões.
No entanto, o post das simpatias fica em segundo lugar! Eu realmente não esperava isso e foi então que eu percebi que as pessoas realmente fazem pesquisas sobre simpatias para confirmar gravidez ou descobrir sexo do bebê.
Eu realmente gostaria que meus posts sobre Meteorologia fossem mais visitados, até porque tratam-se do carro-chefe do blog. Notei que meus posts sobre maternidade fazem mais sucesso do que eu imaginava, o que me faz confirmar mais uma vez que as mães realmente buscam informações na internet (e me faz ficar ainda mais preocupada com a qualidade das informações que transmito aqui no blog, acredito que preciso ser responsável). Sobre essa busca por informações sobre a vida dos filhos, principalmente nos primeiros 1000 dias, fico pensando que há toda uma questão de ansiedade e de comparação com outras mães. Ler muito pode sim fazer mal, principalmente se você não lê informações de qualidade e escritas com cuidado, pois quando a gente está grávida ou acaba de parir está muito sensível e ler coisas escritas da maneira errada podem nos deixar preocupadas ou fazer com que nos sintamos inadequadas.
O excesso de informação pode sim nos fazer mal e um dia ainda pretendo falar mais detalhadamente sobre a minha experiência quando eu estava grávida e minha relação com o consumo de informação na internet. Numa segunda gravidez, pretendo não ler tanto sobre gravidez/parto/etc (principalmente relatos) e não palpitar tanto. Se mencionar o assunto no blog, pretendo destacar artigos e textos escritos por especialistas, sempre tentando ter um cuidado para não ser gatilho para tristeza ou sensação de inadequação de alguém.
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