
Antes de falar sobre a formação de nuvens de tempestade na floresta amazônica, especialmente sobre as mais recentes descobertas da comunidade científica sobre esse assunto, vamos rapidamente falar sobre como as gotas de chuva se desenvolvem.
Parcelas de ar que estão próximas da superfície são forçadas a subir de alguma maneira (falei sobre essas maneiras nesse post). O vapor d’água contido em uma parcela de ar específica passa para o estado líquido (condensação) quando atinge uma altura em que a temperatura é suficientemente baixa para que isso ocorra. E para que essa condensação ocorra, são necessários núcleos de condensação. Os núcleos de condensação são partículas suspensas na atmosfera e que são higroscópicas (tem afinidade com a água). Essas pequenas partículas suspensas são chamadas de aerossóis e há muitos tipos de aerossóis, muitos deles com propriedades higroscópicas: partículas de poeira, cinzas vulcânicas, pedacinhos de bactérias, etc.
Para entender o básico do que acontece no interior de uma nuvem, recomendo os seguintes posts:
Microfísica de Nuvens – Parte 1
Microfísica de Nuvens – Parte 2
Microfísica de Nuvens – Parte 3
Como a maior fonte de aerossóis está no solo, seria esperado que a concentração de aerossóis diminuísse com a altura. Porém, cientistas brasileiros e estrangeiros ligados à duas importantes missões científicas (Acridicon-chuva e GoAmazon) registraram o contrário disso em áreas da Floresta Amazônica.
Esses pesquisadores observaram que há uma importante concentração de aerossóis acima de 15km, que é onde esta o topo das nuvens de tempestade. Os pesquisadores observaram que nessa altura são bem mais finos que os normalmente encontrados em nuvens de tempestade. Usando aeronaves, os pesquisadores envolvidos nas missões científicas citadas estão tentando compreender como esses aerossóis chegaram em uma altura tão elevada.
Essas aeronaves utilizadas são devidamente adaptadas e possuem instrumentos científicos instalados para que os aerossóis sejam então analisados. E claro, realizar voos tão próximos de nuvens de tempestade não é tarefa fácil, pois exige muito treino por parte do piloto e autorizações específicas para que o voo possa ser realizado.
As nuvens de tempestade são chamadas de nuvens Cumulonimbus. Pilotos de aeronaves sabem que se aproximar desse tipo de nuvem é proibido (nível Talos IV, perdoem a referência inevitável para mim). E é proibido porque os movimentos ascendentes, a presença de gelo e descargas elétricas no interior e nas proximidades dessas nuvens pode provocar graves acidentes. É por essa razão que essas campanhas científicas envolvendo aeronaves precisam de tanto planejamento prévio.
Se você quiser aprender sobre Classificação de Nuvens (nomes das nuvens), confira essa seleção de posts.
Imagine só como era na época em que Joanne Simpson realizava seus estudos, quando imagens de nuvens coletadas em aeronaves eram utilizadas (leia mais aqui). Se ainda é complicado hoje, imagine há 50 anos atrás.
Na Floresta Amazônica (e aqui me refiro especialmente a área brasileira da floresta), temos a presença de uma área metropolitana grande (Manaus) e temos também muitas regiões afetadas por queimadas, infelizmente. A poluição urbana e as queimadas são importantes fontes de aerossóis. Quanto maior a concentração de aerossóis numa área, menor a quantidade de vapor d’água que se condensa sobre cada uma dessas partículas suspensas no ar. É uma questão de competição mesmo: como há muitas partículas suspensas, elas precisam competir por vapor d’água. As gotas das nuvens acabam então ficando muito pequenas e não tem tamanho suficiente para caírem imediatamente como gotas de chuva. Nuvens formadas assim acabam demorando mais tempo para precipitar e os pesquisadores observaram que essas nuvens precisam alcançar mais de 12km de espessura, pois dessa maneira as gotinhas tem tempo de colidirem entre si e ganharem tamanho para caírem como chuva. E quando isso finalmente acontece, tempos tempestades intensas, com granizo e muitas descargas elétricas.
Por outro lado, nuvens de tempestade que se desenvolvem em áreas da Floresta Amazônica com menos interferência humana possuem outro comportamento. Como há menos aerossóis disponíveis, as gotas crescem mais rapidamente porque há menos competição por vapor d’água. Sendo assim, as gotas caem como chuva mais rapidamente.
Outro ponto a se considerar é o tipo predominante de aerossol, que é diferente nas áreas da floresta afetadas pelas áreas urbanas. Os pesquisadores dos projetos citados também estão tentando compreender as interações entre esses aerossóis e como isso pode alterar a formação de nuvens de chuva na região.
Podcast
Eu participo esporadicamente do Spin de Notícias, do Portal Deviante. Nesse podcast, mais de 30 profissionais das mais diversas áreas do conhecimento se alternam para diariamente comentarem uma notícia de sua área. Em minha última participação falei sobre a formação das nuvens na Floresta Amazônica (veja aqui). A partir do rascunho do roteiro para esse episódio, tive a ideia de escrever o presente post. Espero que tenham gostado.
Bibliografia do post (além dos textos indicados como links ao longo do texto)
Livro recomendado
Vou falar de um livro em português que é super recomendado para quem está iniciando seus estudos em Meteorologia. Meteorologia: noções básicas conta com um time de autores excelentes (Rita Yuri Ynoue, Michelle S. Reboita, Tércio Ambrizzi, Gyrlene A. M. da Silva), todos professores de cursos de Meteorologia de diversas regiões do Brasil.
Hoje, o jornal em qualquer mídia apresenta e explica a dinâmica meteorológica. Embora façam parte de um sistema complexo, os fenômenos meteorológicos são apresentados nesta obra de forma simples e didática, desde os conceitos básicos de composição e estrutura da atmosfera até a previsão do tempo e do clima e as mudanças climáticas. {x}
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Eu recomendo esse livro com bastante frequência porque ele realmente é muito bom. Eu o recebi na versão digital e na versão física e em várias ocasiões ele me serviu como consulta rápida para elaborar um texto aqui para o blog ou para tirar alguma dúvida sobre meu trabalho. Recomendo sempre. E se preferir, pode comprá-lo na Amazon também pois também recebo comissão.
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Coisas que andei vendo por aí e que podem ser de interesse dos leitores
Bom, nessa seção vou listar algumas coisas bacanas que andei vendo por aí recentemente e que podem interessar vocês. Não tem necessariamente a ver com o assunto do post, porém é igualmente interessante.
- Bruxas e Meteorologia: sabia que mulheres já foram queimadas como bruxas por supostamente terem dado início a tempestades? Saiba mais no link.
- Como escrever um artigo científico: nesse artigo, o Prof. Dr. Gilson Volpato, da UNESP, dá importantes dicas sobre a escrita do gênero científico. Muito importante mesmo, todo aluno de graduação deveria ler (principalmente quem tem pretensões acadêmicas)
- Posts da Izabel sobre Propriedade Intelectual. Eu já falei sobre o blog da Izabel, que é bibliotecária, nesse post. Na verdade quem falou foi a própria Izabel, pois ela gentilmente nos contou sobre sua profissão. Nessa série de posts a Izabel fala sobre propriedade intelectual. Achei interessante e muito importante, pois cada vez mais precisamos ficar conscientes de valores éticos.
- Minha resposta sobre um certo negador do aquecimento global. É um rascunho de meus pensamentos no Curious Cat, pode ser que eu venha a falar novamente sobre isso em um post futuro
- Ouça o SciKids com seus filhos. No caminho para a escola, na viagem para a casa da avó, etc. Nesse podcast, as perguntas científicas das crianças são respondidas por cientistas. Um podcast totalmente seguro para ouvir com crianças de todas as idades, meu filho adora.
Imagem inicial do post: Rio Guaporé, na Floresta Amazônica. Cortesia de Pixabay
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Muito interessante esse tema, no meu mestrado eu ia usar medidas do satélite CALIPSO para investigar a distribuição vertical do aerossol… mas não deu tempo e só ficaram as piadinhas da banda da Joelma rsrs
Bacana também essa seção de links no final. Podia ter um nome próprio, tipo RADAR METEORÓPOLE rsrs
Nossa, toda vez que eu leio algum release ou artigo de divulgação sobre o CALIPSO só penso em Joelma também, hahahaha.
Adorei a sua sugestão de nome, vou adotar! XD
Acho que na época da Dra. Joanne Simpson era mais fácil pois:
1. Não havia a restrição Talos IV 8) ;
2. Como os aviões não eram tão eletrônicos era mais fácil não ter problemas com as descargas elétricas; hoje com tudo dependendo de computadores campos eletromagnético podem afetar com mais facilidade os aviões; em condições normais eles têm uma ótima blindagem.
Mas e como está a Torre Amazonas? Ao que lembro-me era um empreendimento científico Brasil-Alemanha e acho que, uma das linhas de pesquisa, trabalharia nesta direção.
Nemo
Olha, vi uma palestra sobre essa torre há uns dois anos, mas não li mais a respeito. Você me deu uma ideia, pode ser que eu aborde esse assunto em outro post.
Muito interessante…. já compartilhei seu link!