
Na parte 1, falei sobre o comecinho do século XX, até o período da Primeira Guerra Mundial aproximadamente. Na parte 2 falei do período entre as duas guerras mundiais até chegar na Segunda Guerra Mundial e falei sobre o nascimento do ENIAC. Já na parte 3 falei dos avanços na tecnologia dos computadores, mostrando os resultados do interessante trabalho de Peter Lynch em que ele faz a mesma simulação do ENIAC em um laptop comercial e um celular. Na parte 4 da série, falamos sobre os primórdios da modelagem climática.
A parte 5 demorou de sair mas aqui estamos! Hoje vou falar um pouco sobre a natureza caótica da atmosfera. Essa será a parte final da série.
O matemático e meteorologista Edward Lorenz foi outro nome que não podemos deixar de citar quando falamos em previsão numérica do tempo. Lorenz trabalhou com Jules Charney (um dos autores do famoso artigo que deu início previsão numérica do tempo com área de pesquisa) só que Lorenz desconfiava de uma coisa: ele não acreditava que a coisa fluiria tão perfeitinha assim. Em outras palavras, Lorenz desconfiava que a não-linearidade das equações envolvidas na previsão do tempo poderia ser uma enorme fonte de problema, o que limitaria a previsibilidade. Bom, ele não errou!
Eu contei aqui como a Meteorologia e a Matemática se relacionam e mencionei Edward Lorenz, leiam!
Em 1961 Lorenz usou um Royal McBee LGP-30 para simular padrões meteorológicos modelando 12 variáveis, representando variáveis como temperatura e velocidade do vento. Numa dada altura de seu trabalho, ele queria ver uma sequência de dados novamente e, para economizar tempo, iniciou a simulação no meio de seu curso. Ele fez isso digitando uma impressão dos dados que correspondiam às condições no meio da simulação original. Para sua surpresa, as condições meteorológicas que o computador começou a prever eram completamente diferentes do cálculo anterior. O culpado: um número decimal arredondado na impressão do computador. O computador trabalhou com precisão de 6 dígitos, mas a impressão arredondou as variáveis para um número de 3 dígitos, então um valor como 0,506127 foi impresso como 0,506. Essa diferença é extremamente pequena e na época o consenso é de que esse arredondamento não causaria nenhum efeito na simulação. Só que foi dessa maneira, fazendo esse arredondamento, que Lorenz descobriu que pequenas mudanças nas condições iniciais produzem grandes mudanças no resultado de longo prazo.
A descoberta de Lorenz recebeu o nome de Atrator de Lorenz mostrou que até mesmo uma modelagem atmosférica bem detalhada não pode fazer previsões para longo prazo. Suas descobertas culminaram no artigo “Deterministic Nonperiodic Flow“, publicado em 1963 no Journal of the Atmospheric Sciences e que pode ser consultado aqui. Junto com o artigo de 1950 Numerical Integration of the Barotropic Vorticity Equation, de autoria de Jule Charney, Ragnar Fjörtoff e John Von Neuman, eu diria que são os artigos mais famosos da área de Previsão Numérica do Tempo pois fazem parte da literatura básica dos cursos de Modelagem Numérica.
Sabe o termo Efeito Borboleta? Então, foi descrito por Lorenz em 1969 {x} e dá a ideia de que pequenas mudanças no começo da simulação numérica podem dar origem a grandes consequências ao longo da simulação numérica. Quando dizemos que a atmosfera tem uma natureza caótica, queremos dizer justamente isso. Lorenz inclusive é reconhecido como o fundador da Teoria do Caos.
Pois bem, mas o que isso quer dizer na prática? Quer dizer que a previsão do tempo rodada agora (cálculos feitos agora num supercomputador de um centro de Meteorologia) tem um prazo de validade. Vamos supor que essa previsão compreenda os próximos 10 dias. Para os primeiros dias, a previsão é bastante confiável. Já lá pelo sétimo dia, a qualidade terá decaído bastante de modo que os resultados podem não ter nada a ver com o que será de fato observado na atmosfera. É por essa razão que é importante consultar a previsão do tempo diariamente, pois os cálculos são refeitos desde o começo (inserindo novas observações meteorológicas) mais de uma vez por dia.
A maneira mais eficaz de diminuir esses erros inevitáveis decorrentes da natureza caótica da atmosfera é a previsão por ensemble. Os centros meteorológicos do mundo inteiro tem recorrido a essa prática. Um ensemble é um conjunto de previsões do tempo, cada uma feita com algumas pequenas modificações no estado inicial. Claro que cada uma dessas modificações é justificável e não envolve “modificar dados observados”. Alguns parâmetros numéricos são alterados no modelo meteorológico e várias previsões são feitas. Dessa maneira, é possível deduzir uma informação probabilística sobre a atmosfera. Eu vou falar de maneira bem grosseira: é como se fizéssemos uma ‘média ponderada’ de todas as previsões, levando em conta um peso maior para a previsão que mais tem acertado.
Esse procedimento tem sido feito com frequência em centros meteorológicos e ajuda muito a prever o tempo em médio prazo. E prever o tempo em médio prazo significa saber como uma frente fria vai atuar em uma região ou quais regiões de uma determinada faixa litorânea serão atingidas mais severamente por um furacão, por exemplo.
As aplicações da previsão do tempo são inúmeras. Alertas dados em tempo hábil podem salvar vidas. Várias áreas se beneficiam de uma previsão do tempo bem feita: turismo, logística, trajetória de poluentes, segurança nas atividades dos aeroportos, etc. Por ser uma área estratégica, o setor público e o privado deveriam investir muito nela. Mas ao menos aqui no Brasil não é o que ocorre, pois nosso país não tem nenhuma instituição com um supercomputador no ranking do TOP500.
Vejam que ao longo desse post eu falei sobre previsão do tempo, uma área importante e muito estratégica. Só que supecomputadores também fazem simulações climáticas (e permitem estudos sobre mudanças climáticas), processam dados, fazem simulações relacionadas à estudos da área de energia nuclear, etc. No atual governo, infelizmente não vejo a possibilidade de que esse quadro mude. Talvez demore muitos anos para que a Ciência seja devidamente valorizada no país e que todas as áreas do conhecimento e os cientistas sejam devidamente respeitados. Mas é preciso de alguma maneira manter a esperança e eu espero ao menos estar contribuindo com isso nesse blog.
Bibliografia
Além dos links mencionados ao longo do texto, recomendo os seguintes links com materiais que utilizei nessa pesquisa.
- From Richardson to early numerical weather prediction – Peter Lynch
- As calculadoras de Pickering – A história não contada das mulheres que mapearam nossa galáxia
- Jule Charney, Agnar Fjörtoff & John von Neumann Report the First Weather Forecast by Electronic Computer
- Lewis Fry Richardson – Wikipedia
- A Little History – David Burridge
- The ENIAC forecasts
- Climate models: General concept, history, design, testing and sensitivity
- ENIAC Definition
- Moore’s Law
- O que é a lei de Moore?
- Página de Peter Lynch na UCD
- Mini-biografia de Peter Lynch (Wikipedia)
- Edward Lorenz (Wikipedia)
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