Então, vou dar continuidade a um assunto que comecei num post recente. Portanto corra lá, leia rapidinho e depois volta aqui para entender melhor, por favor.
Pelo Twitter, perguntei para várias pessoas a respeito de uma plantinha que nasceu espontaneamente no meu quintal. E antes que críticos de plantão venham até aqui me acusar de seguidora de Aristóteles, quando digo que a planta nasceu espontaneamente eu quero dizer que não a plantei. Ela apareceu como uma semente perdida na terra que uso em meus vasos, trazida por aves ou pelo vento.


Além dessas duas fotos, eu vi essa planta nascendo em outros dois pontos do meu quintal. Infelizmente não tenho áreas com terra em meu quintal, então uso vasos. Porém é incrível ver como a natureza quer vencer a todo custo, com plantinhas nascendo em cada frestinha. Tenho samambaias nascendo em alguns pontos de meu muro, apenas para citar outro exemplo.

Muitas pessoas tentaram me ajudar a identificar a planta que mostro nas fotos. Reparem que no segundo vaso eu tenho também outra planta que ainda não identifiquei (lado esquerdo) e uma espécie de pimenta que meu marido plantou em primeiro plano.

Algumas das pessoas que tentaram me ajudar entendiam de Botânica, porque cursaram Biologia ou são autodidatas (como é meu caso, estou aprendendo). Outras simplesmente abriram o app instalado no celular, carregaram a foto que mandei e me deram os palpites ali listados.
Então, conversando com a Carla, ela pensa que essa planta pode ser uma Lactuca virosa. Só que não dá para ter absoluta certeza, uma vez que minha plantinha ainda não exibiu flores. A ilustração botânica abaixo mostra essas flores:

Repare que a ilustração botânica sempre mostra outras partes da planta além das folhas. Flores, sementes e os vários estágios de desenvolvimento ajudam na identificação. Então sempre que você for tentar identificar alguma plantinha que você encontrou por aí, procure observar não somente as folhas da planta. Olhe todas as partes da planta, olhe ao redor, observe quais plantas estão crescendo próximas. Tente tirar várias fotos da planta, observar suas mudanças ao longo de um mesmo dia e ao longo dos meses. Pois então, descobri o óbvio: identificar uma espécie apenas olhando o formato, tamanho, textura e outras particularidades da folha não é tarefa fácil (para não dizer quase impossível). A Carla fala isso nesse post, onde ela escreve um mini-guia para identificar espécies do seu quintal.
Eu digitei Lactuca virosa na busca de imagens do Google e encontrei fotos com plantas muito semelhantes as de meu quintal. Também achei plantas que em nada se assemelhavam, já que as folhas pareciam mais estreitas. E claro, a ausência de flores nas plantas de meu quintal dificultam o processo de identificação.
Concluindo, no dia que essa planta que eu fotografei exibir flores, eu vou poder identificá-la melhor e então bater o martelo e dizer se é Lactuca virosa ou não.
Agora vamos falar de comida. Vamos supor que de fato seja Lactuca virosa. Ela é PANC? Então, meu guia sobre o assunto ( livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil ) diz que é sim, inclusive fala que pode ser comida crua (salada) ou refogada. Porém as imagens apresentadas nesse livro não estão me fazendo bater o martelo na minha identificação. Até tirei foto das páginas do livro que falam da Lactuca virosa para vocês entenderem minha dúvida:

Percebam que as folhas parecem mais estreitas e com mais “pontas” quando comparo com o que fotografei. As fotos do livro se assemelham muito com a ilustração botânica que indiquei anteriormente. E esse livro nada fala sobre as propriedades psicoativas que dizem que a Lactuca virosa tem. Pelo o que li ela é considerada analgésica e sedativa e eu realmente já ouvi falar de lendas sobre o tal “chá de alface”. Inclusive fazendo uma busca pela internet a gente consegue encontrar sites de medicina alternativa vendendo sementes, cápsulas de Lactuca virosa (também conhecida como alface selvagem ou alface brava) na versão liofilizada, receitas, indicações, etc. Eu pessoalmente acredito que temos que tratar essas questões com muito respeito e autocuidado. Não podemos simplesmente sair consumindo qualquer planta que encontramos por aí, é necessário muita leitura e muita observação. Eu não faria um chá com essas folhas, mesmo que eu tivesse certeza de que se trata de Lactuca virosa. Não é porque é da natureza que não faz mal, casos de pessoas se intoxicando com plantas não são incomuns. Eu conheço uma pessoa que se intoxicou com limão porque consumiu quantidades absurdas pois leu a respeito de uma dieta a base de limão que prometia emagrecimento. Ou seja, moderação, cautela, leitura de boas fontes de informação, conversa com especialistas, etc. Todo cuidado e respeito é pouco.
O gênero Lactuca possui algo em torno de 100 espécies validamente descritas (o verbete em inglês lista algumas dessas espécies) e mais de 20.000 variedades. A alface comum que a gente encontra por aí é a Lactuca sativa. O gênero Lactuca é da família das margaridas, a família Asteraceae.
Essa pesquisa me fez mais uma vez refletir sobre a enorme quantidade de espécies dentro de um mesmo gênero e sobre as diferentes variedades de uma mesma espécie (outro dia conto a respeito do caso do maracujá roxo na bacia de maracujá amarelo). Bom, o que quero dizer com isso? Quando a gente pensa em alface, todo mundo pensa no mesmo alface. Eu vou mais longe: sabe aquela rede de fast food bem famosa do M gigante? Então, ela usa um alface chamado alface americano. Essa variedade, até onde sei, é usada em qualquer restaurante da rede localizado em qualquer lugar do mundo. É uma Lactuca sativa da variedade “alface americana” (aqui há uma lista com as principais variedades). Pelo o que observei, não importa em qual país está o restaurante da rede, eles vão usar essa alface americana (também chamada de alface iceberg) que é uma das menos nutritivas. Ela foi adaptada para crescer em certas regiões dos Estados Unidos. Ela também parece durar mais na geladeira (algumas pessoas já notaram isso). Pessoalmente não acho esse tipo de alface saborosa e ela é uma das variedades mais ricas em água (gosto de nada, sendo bem direta). Como aparentemente essa variedade dura bem na geladeira e aguenta longas distâncias em transporte, é a ideal para padronizar o lanche da rede.
Com esse exemplo da alface do lanche, quero mostrar meu argumento de como a gente vai perdendo a ideia de que existem plantas diferentes em diferentes biomas, por mais que essas plantas sejam “parentes”. Perdemos conhecimento sobre variabilidade genética e sobre as propriedades de cada uma dessas espécies e variedades. E perdemos na apreciação de novos sabores e texturas.
Para finalizar, se eu identificar a plantinha do meu quintal como Lactuca sativa mesmo, é possível que eu prepare um pouquinho refogado com alho e azeite apenas para eu provar. Eu realmente fiquei preocupada com os alegados efeitos psicoativos, tenho crianças em casa, hahaha. Eu teria que ler mais e com bastante cautela antes de preparar um prato de Lactuca sativa para a família. De qualquer maneira, essa planta me ensinou muita coisa, como vocês puderam ver ao longo do texto e sou muito grata a isso.
[…] você as plantas que seu corpo e sua mente estão precisando. E eu ouvi isso quando descobri uma Lactuca virosa no meu quintal e fiquei pensando desde […]