Uma vez me disseram que a natureza traz para você as plantas que seu corpo e sua mente estão precisando. E eu ouvi isso quando descobri uma Lactuca virosa no meu quintal e fiquei pensando desde então.
Quando eu era criança, muito pequena, uns 5 anos talvez, eu estava brincando em um dos inúmeros lotes vazios que existia lá onde cresci, num bairro no extremo leste da Zona Leste de São Paulo. Umas crianças maiores queriam me obrigar a comer umas bolinhas pretinhas. Eu disse que não, porque minha mãe tinha me falado sobre não comer plantinhas que eu encontrasse por aí sem antes aprender sobre elas.
Contei para minha mãe sobre o que aconteceu e ela disse que eu estava certa. Um tempinho passou e eu um pouquinho mais velha, meio v1d4 l0k4, resolvi comer os tais frutinhos. Achei gostoso, fiquei me considerando um pouco subversiva. Eu senti medo: e se eu passasse mal e tivesse que contar a verdade para meus pais? Ainda bem que meus filhos ainda não tem idade pra ler meu blog.
Passou o tempo, fui aprendendo aquele saber que a gente aprendia de criança pra criança lá nos anos 80-90: aquelas frutinhas eram marias-pretinhas (Solanum americanum). Todo mundo comia, ninguém tinha passado mal, então ok. Era esse o raciocínio, incompleto claro, evidentemente limitado, mas que fazia todo sentido dentro do meu universo simplificado dentro daqueles lotes. Era meu segredo subversivo. Passaram muitos anos até eu aprender de fato, com fontes confiáveis, que era possível sim consumir aquela frutinha com certa segurança.
Eu me casei, cresci e mudei de bairro. Tinha uma rua estreita nesse novo bairro, com calçadas cheias de mato. Bom, mato é nome genérico que damos a plantas que não conhecemos. Mas em meio a todo aquele mato achei touceiras e mais touceiras de maria-pretinha. Colhi várias, levei pra casa, lavei e senti aquele gostinho de infância. A fruta em si não é super gostosinha, mas pra mim tem um sabor da minha infância modesta em meio aos mamoeiros e outros matos.
Eu mudei de Estado. Minha vida se modificou totalmente. Ainda estou me adaptando, se for pensar com cuidado. Vejo a pandemia e pra mim parece inevitável (embora irracional) associar minha mudança de vida com a pandemia. Sim, por vezes passa pela minha cabeça a ideia de que se eu tivesse continuado lá em São Paulo, nada disso teria acontecido. Claro que não faz sentido, mas quando estou triste eu faço esse tipo de associação.
Outro dia o marido reparou que uma planta estava nascendo no cantinho do portão. Ele me chamou pra ver, porque no lugar que está vai acabar sendo esmagada pelo movimento do portão. Quando olhei pra ela, vi aquelas florzinhas branquinhas estranhas e desconfiei que fosse Solanum americanum. Fui olhar na internet e no meu guia (Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil ) e pude confirmar: maria-pretinha. Acabei descobrindo que não apenas os frutinhos são comestíveis: as folhas podem ser usadas em ensopados, por exemplo (mas não parece ser uma boa ideia consumi-las cruas).

Meu objetivo agora é esperar os frutos nascerem e pegar algumas sementes para plantar em um vaso no quintal dos fundos de casa.
Fiquei pensando no interessante ponto de vista de quem me disse que a natureza traz as plantas que estamos precisando. Não posso dizer que acredito nisso, tenho minhas dúvidas, não tendo a acreditar nesses determinismos. Mas eu sei de uma coisa: podemos dar significados para as coisas que nos rodeiam e para os acontecimentos que nos passam. Eu quero dar o seguinte significado para essa plantinha: eu precisava me reconectar com aquela menina que andava pelos lotes tentando descobrir coisas interessantes.

Depois dos suspiros, vamos falar de Botânica
Pois então, na minha planta, como vocês podem perceber pela foto, os frutos ainda não apareceram. Se você nunca viu a frutinha antes, apresento-lhes a maria-pretinha:

Ela parece uns tomatinhos pretinhos, não? Pois vamos falar de curiosidades: ela é parente do tomate e da berinjela. Essas duas plantas que mencionei também são do gênero Solanum (assim como jiló e pimentão também, outros bons exemplos). As frutinhas só devem ser consumidas assim, pretinhas. Quando estão verdes, elas podem ser tóxicas. Li receitas de geleia com esses frutinhos, o que me faz pensar que tem que ter uma enorme paciência para colhê-los em grande quantidade. Porém fazer algo assim pode ser muito bom pra mente.
A maria-pretinha é muito parecida com a beladona (Atropa belladonna), que é tóxica. Porém as flores das duas espécies são bem diferentes. A flor da beladona é campaniforme e meio lilás (veja aqui). A flor da Solanum americanum é branquinha e tem pétalas (veja a primeira foto que postei e veja aqui também). Ou seja, se a gente puder ver a florzinha vai ficar bem claro de qual espécie estamos falando.
Eu tenho dois filhos pequenos, sendo que um deles ainda não tem 2 anos e está na fase oral. Ele tem o costume de colher e comer os moranguinhos dos vasos que temos em casa. Ele sabe que aquelas frutas daqueles vasos ele pode comer, porém preciso ficar de olho para evitar que por curiosidade, ele coloque na boca folhas ou frutos perigosos que podem fazê-lo engasgar ou se intoxicar. Então preciso ter cuidado na comunicação, ainda não sei como vou fazer quando começarem a surgir as primeiras maria-pretinhas. Vou pensando até lá, por enquanto vou apreciar as florzinhas e a alegria de ter uma nova planta identificada em meu quintal.
Legal conhecer mais sobre essa planta. Já tinha visto algumas vezes e fiquei curioso mas não corri atrás pra descobrir qual era e se podia comer o fruto. Perto do meu trabalho tem uma árvore que também dá um fruto preto, só que é maior. Tentei descobrir o que era mas não tive sucesso.
Identificar plantas nem sempre é uma tarefa fácil. Tem um app chamado PlantNet (ou algo assim) que dá alguma pista sobre identificação da planta pela foto. Não é confiável, não dá para bater o martelo na identificação, mas é alguma coisa. A busca de imagens do Google também pode ajudar, muitas vezes digitando uma simples descrição da planta também, na busca, já consegue.
Se tiver uma foto da planta, manda pra mim q posso tentar ajudar 😉