Eu estava em uma área afastada de vegetação rasteira, brincando com meus filhos. O maior soltava pipa com o pai e eu e o mais novo explorávamos a vegetação e os insetos. Achei Gomphrena globosa (perpétua), achei uma priminha da Thunbergia grandiflora que ainda não identifiquei com certeza, enfim, achei uma infinidade de plantas, muitas espécies pioneiras porque parte da área foi coberta por brita e a natureza estava reivindicando o lugar.
E claro, achei também Bidens pilosa (carrapicho). Nesses lotes com pouca sombra, sempre surgem esses carrapichos, que grudam na nossa roupa, na meia, no tênis… É uma plantinha considerada feia por muitas pessoas, mas da qual eu guardo uma imensa memória afetiva.
Fazendo algumas pesquisas, descobri que carrapicho é um nome comum dado a várias espécies de plantas, sempre plantas que de alguma maneira se prendem nas roupas. Bom, mas nesse post aqui estou falando da Bidens pilosa, também conhecida como picão-preto. O chá de picão-preto é muito difundido pela fitoterapia e inclusive há vários estudos sobre suas propriedades. As folhas da Bidens pilosa são vendidas secas, para que as pessoas façam o chá em casa. Recentemente eu fiquei fazendo troça de uma pessoa próxima que comprou chá de dente-de-leão (Taraxacum officinale), pelo mesmo motivo: são duas plantas extremamente comuns, do tipo que todos chamam de ‘mato’ e até desprezam. De repente, tornam-se tisanas apreciadas por algumas pessoas, muitas vezes devido seus benefícios fitoterápicos.
Mais recentemente também vi uma muda de Bidens pilosa sendo comercializada no site Mercado Livre. Eu confesso que fiquei intrigada e fiquei um tempo pensando sobre essas coisas.
Bidens pilosa é uma planta extremamente fácil de encontrar por praticamente todo o Brasil. Ela é encontrada em lotes e em qualquer outro lugar onde há vegetação rasteira. É muito encontrada em áreas onde quase não tem sombra, é uma planta que aguenta bem a estação seca. Sendo assim, até mesmo as folhas secas sendo vendidas para chá já me pareceu algo meio maluco. Quero dizer, tem gente ganhando dinheiro com uma plantinha que nasce em qualquer lugar. Então pensei que eu mesma estou desmerecendo a pobre da plantinha, como se fosse correto apenas vender erva doce, camomila ou erva cidreira. Além disso, no cultivo da planta do chá (que é tão amplamente consumida no mundo inteiro) há diversas denúncias sobre os perigos que os trabalhadores enfrentam e sobre a baixa remuneração. Ou seja, de repente vender folhas secas ou mudas de carrapicho não parece algo tão ruim assim, imaginando que pessoas fazem isso nos quintais de suas casas e em pequena escala.
Apesar dessas considerações. o fato de ter gente vendendo e comprando muda de carrapicho ainda me deixou intrigada.
Essas pessoas, que ganham dinheiro com essa planta, estão agindo ilegalmente? Claro que não. Elas estão atendendo uma demanda, oras, tem quem compre. Essas pessoas compram porque talvez não saibam que se trata de uma planta extremamente comum mas que por alguma razão ficou famosa, devido suas propriedades medicinais. Isso acontece, de vez em quando: plantas simplesmente ficam na moda. Do dia pra noite todos estão cultivando suculentas ou fazendo receitas com ora-pro-nóbis. De repente, algum influencer da área de fitoterapia andou falando das propriedades do chá de picão-preto e as pessoas já ficaram curiosas para provar essa tisana ou colocá-la em suas dietas. Minha única ressalva aqui é sobre sempre lermos bastante sobre as plantas antes de consumi-las e sempre comunicar ao médico que acompanha seu tratamento (no caso de uma doença crônica, por exemplo). É extramente perigoso sair fazendo chá de qualquer planta, sem se atentar às quantidades e ao modo de preparo.
Picão-preto é uma PANC (planta alimentícia não convencional). Suas folhas podem ser refogadas e consumidas.
Outra coisa que destaco aqui é algo que a Carla já mencionou num post: a fetichização. Quando uma planta fica na moda, era vira uma espécie de santo graal. Precisamos tomar cuidado, porque se embarcamos nessa, acabamos gastando muito dinheiro desnecessariamente. Eu sinceramente acho que pagar R$30,00 numa muda de carrapicho é loucura, mas também, talvez eu fale isso levando em conta minha realidade, pois onde moro há lotes vagos e a zona rural não é muito longe daqui. Uma pessoa que mora, sei lá, lá no centro de São Paulo, bem no meio do concreto, talvez não tenha noção de onde pode encontrar Bidens pilosa.
Bom, acho que as reflexões que escrevo aqui também nos permitem pensar sobre como as cidades se tornaram lugares hostis, sem parques, sem verde, sem nada vivo. Uma coisa meio Polly e Digory chegam em Charn (e até mesmo em Charn tinha uns galhos secos, se não estou enganada).
O processo de urbanização nas grandes cidades brasileiras não levou em conta uma série de coisas (áreas de lazer e cultura, áreas não-impermeabilizadas, serviços públicos para todos, etc), em muitos lugares o crescimento foi completamente desorganizado. O pensamento de muitos de nós, um pensamento que talvez tenha começado lá atrás quando éramos uma mera colônia, é de que o “mato” é contrário ao progresso. Hoje, nas minúsculas sacadas dos apartamentos, tentamos superar esse prejuízo e planta-se de tudo. Soube de lendas de pessoas que plantam cana-de-açúcar na sacada. Que esses sejam sinais de uma revolução verde: por dias melhores.
Radar Meteorópole
- Lá no Teolabcast conversamos com a Inês Barreto. Falamos sobre paganismo e o episódio está fantástico.
- Livro Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil, provavelmente a melhor publicação brasileira sobre o tema, porque ela atende acadêmicos e amadores.
[…] até tinha falado da suposta “priminha da Thunbergia” nesse post. Errei […]