Eu morava em São Paulo-SP antes de vir parar aqui em Monte Carmelo-MG. Eu não somente morava em São Paulo-SP: eu nasci nessa gigantesca megalópole. Cresci na periferia, no extremo leste e comecei a frequentar o centro da cidade logo cedo, quando ia com meu pai em seu local de trabalho em dias especiais.
Sempre entendi que São Paulo era uma cidade gigantesca, embora os meus limites cotidianos na periferia enquanto criança e adolescente eram muito simplórios. Eu ia até a escola, que era no mesmo bairro, na casa dos colegas, na padaria, na bomboniere, na papelaria… tudo ali na vila.
Visitei muitas cidades brasileiras. Fiquei hospedada em algumas e em outras estive apenas de passagem. Estive em outras capitais, morei em uma cidade de médio porte por algum tempo, visitei cidades menores que Monte Carmelo-MG. Em todos os locais sempre a mesma coisa: os fios. Os fios dos postes, sempre pendurados e tão naturais na paisagem. Eu não os notava inicialmente, pois eles eram parte do lugar. Com o tempo fui observando que em certas áreas da cidade de São Paulo estes fios não estavam pendurados. Em áreas mais nobres e parte do centro, os caminhos da eletricidade passam escondidos no subterrâneo e eu soube por parte de pessoas que trabalham com eles que não é tudo organizado. É na verdade um emaranhado bem feio, com água empoçada.
água e eletricidade, o que pode dar errado?
Tive a oportunidade de visitar outros países onde não há fios suspensos nos postes. Tudo é subterrâneo mas já não sei dizer se é o mesmo emaranhado perigoso. Talvez não. Uma vez encontrei dois conhecidos italianos e eles ficaram um tanto surpresos e admirados com os fios nos postes, até fotografaram.
Os fios nos postes. Eles dão essa sensação de familiaridade. Sensação que tive quando quis visitar Lagos, na Nigéria, através do Google Maps. Passei pelas ruas da cidade e aquele emaranhado de fios suspensos também era presente. Algumas partes da cidade lembravam muito a periferia onde cresci. Se eu olhasse de súbito, suspeitaria que se tratava da periferia de uma grande cidade brasileira e não de Lagos, na Nigéria. Eles tem uma igreja colossal por lá, daquelas de arquitetura com gosto duvidoso e que não combinam em nada com a vizinhança, como aquelas mega igrejas que temos na Av. Celso Garcia em São Paulo-SP. Fui pesquisar sobre a igreja e o fundador é um cara que se intitula profeta, o dono da coisa toda, aparece foto dele e o escambau. Não importa o nome dele, você sabe que eles são todos iguais. Igualmente perigosos.
Alagados, Trenchtown, Favela da Maré
Alagados – Paralamas do Sucesso
A esperança não vem do mar
Nem das antenas de tevê
A arte é de viver da fé
Só não se sabe fé em quê
Os fios nos postes. Eu assisti o primeiro capítulo de uma série da Netflix chamada Desejo Sombrio. A história se passa no México, provavelmente na Cidade do México. Os personagens centrais são pessoas de bom poder aquisitivo. Mostraram a frente da casa deles e os fios estavam lá também. Aqueles fios familiares. Os enormes portões cobrindo toda a entrada da casa também, para dar uma maior sensação de segurança. Tudo tão diferente das casas dos subúrbios norte-americanos que vemos nos filmes, aquela enorme residência dos McAllister em que os bandidos atrapalhados não tiveram que saltar um enorme portão. Seria até perigoso, um deles terminaria com o ânus rasgado por uma lança e seria o fim do filme – confira a classificação indicativa.
Eu cresci numa casa onde longo dos anos vi os portões ficando cada vez mais fechados ao longo dos anos, aumentando mais a sensação de enclausuramento. Quando passei por Lagos e vi as casas, também notei os portões e as garagens que se transformam em pequenos comércios durante o dia. Todo mundo se vira como pode. Lembrei do Seu Hildebrando que vendia doces, cortante, vareta de pipa e papel de seda na garagem dele. Lembrei daquela outra senhora que vendia aventais e uniformes na garagem de casa. Lembrei de uma conhecida de minha mãe que vendia linhas, lãs e outros materiais de costura. Lembrei da Dona Mocinha que vendia balas e doces na rua da escola onde estudei por mais tempo. Tudo na garagem. Muitas vezes com os portões fechados, atendendo pelas grades. Todos presos.
Os fios nos postes. Emaranhados, desorientados. Nem os técnicos de manutenção se entendem, há até disputas entre empresas de telefonia e fornecimento de energia elétrica. Tudo crescendo sem planejamento, sem organização e com todas as árvores e esperanças sendo derrubadas.
Imagem de capa: colagem que fiz usando imagens de revistas. A imagem principal é a de um grafite muito famoso em São Paulo, do artista Daniel Melim. Saiba mais sobre ele aqui.
Radar Meteorópole
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Nemo diz
Só para informar:
Existe uma lei na cidade de São Paulo – lei 14.023, de 2005 – para que toda fiação ser enterrada. Mas…
Interessante é que com a fiação subterrânea as empresas teriam menos gastos, pois reduziria a manutenção emergencial devido a redução de rupturas durante as chuvas. Mas…
Sem contar que o visual da cidade seria muito mais bonito.