Antes de começar, deixo claro que esse texto é um resgate histórico. Nele falarei sobre algumas coisinhas que descobri durante algumas pesquisas sobre Bible Journaling. Como de costume, ao longo do texto vou deixar alguns links e discutir sobre o assunto que propus no título.
É importante deixar claro que eu sou a favor do ensino público laico e se a família quiser uma educação com viés religioso, poderá pagar para que seu filho tenha acesso a isso em uma escola privada ou até mesmo frequentar uma igreja para que seu filho aprenda durante a Escola Dominical ou durante a Catequese. No entanto, até mesmo as escolas privadas confessionais devem seguir diretrizes de ensino e devem ser fiscalizadas. É dessa forma que temos as coisas hoje e devemos lutar para que continue assim, o Estado cada vez mais separado da religião, sendo laico e permitindo que os cidadãos sejam livres para professarem a fé que quiserem. E gostaria de dizer que cursei parte de minha Licenciatura em uma universidade católica, onde discutimos justamente a importância da laicidade da educação.
Agora vamos ao tema.
No passado dos países de maioria cristã, a Bíblia era amplamente usada durante a alfabetização. Era provavelmente o primeiro e talvez o único livro que muitos teriam acesso. Por experiência familiar própria, meus avós maternos foram alfabetizados dessa forma. Eu mesma, quando completei 6 anos, ganhei uma Bíblia de minha avó. Quem é de família de protestante há algumas gerações conhece aquela Bíblia puída que era da avó, com algumas anotações e pequenos calendários da década de 70, esquecidos lá dentro como marca-páginas. Se você for de família católica, talvez tenha lembranças parecidas e já encontrou o impresso em homenagem àquele ente querido que faleceu e fizeram por ocasião da missa de sétimo dia.
Eu digo aqui protestante porque para o protestante era muito importante ler a Bíblia além de ouvir sua leitura aos domingos. É o que conheço melhor, por ter crescido em uma família assim. Havia a Escola Bíblica Dominical e os pastores incentivavam as crianças e os adultos a lerem a Bíblia ao longo da semana. Ainda hoje é assim em muitas igrejas e na minha opinião isso auxilia no letramento e também estimula que adultos leiam com frequência. As crianças bem pequenas, que ainda não são plenamente alfabetizadas, decoram pequenos versículos. Eu lembro de minha infância, com uns 5 anos, lendo versículos em marca-páginas e figurinhas do Smilinguido. Até hoje guardo enorme carinho por esse personagem tão presente na vida das crianças cristãs.
Isso tudo ajuda na leitura e eu acredito que se meus avós e tios-avós eram todos alfabetizados, lá no meio do sertão, foi porque houve esse incentivo. A grande questão aqui é a Bíblia como ÚNICA fonte de leitura e o fato de não incentivar a leitura de outros materiais. E no passado, claro, penso na minha família lá no meio do sertão, nem tinham acesso a outros materiais. Isso sim foi e ainda é um enorme problema. Mesmo atualmente, com acesso a qualquer tipo de material na Internet, muita gente se fecha em bolhas e acaba tendo acesso apenas àquilo que já tem alinhamento com suas próprias crenças, o que evidentemente é péssimo.
O que quero argumentar aqui é que é inegável que a Bíblia foi e ainda é um auxiliar na alfabetização. Recentemente eu encontrei um incrível registro de 1730, em plena Era Georgiana, quando a estudante Anne Passmore fez o que hoje chamaríamos de Bible Journaling (ou algo bem próximo disso). No caso Anne estava estudando o livro bíblico de Jonas, fez algumas anotações e fez lindas decorações nas margens, como podemos ver na imagem a seguir:

Wikimedia Commons / University of Pennsylvania Libraries
Claro que nesse tempo a educação formal era uma realidade das elites. Mulheres então nem eram incentivadas a se educarem e quando aprendiam algo era em casa mesmo, ensinadas na maioria das vezes por outras mulheres. A Bíblia era uma importante fonte de material para o ensino, pois discute vários temas e possui um amplo vocabulário. No século XIX lá da Inglaterra, muitas mulheres notáveis tentaram fundar suas próprias escolas para mulheres. Uma dessas mulheres foi Mary Wollstonecraft.
A escola de Wollstonecraft acabou não dando certo por problemas financeiros, mas de sua experiência saiu a publicação Thoughts on Education of Daughters (1787). Nessa publicação, Wollstonecraft defendia que as mulheres fossem econômicas com a compra de roupas (e usassem seu dinheiro para a caridade), defendia que o Sábado fosse guardado e outros preceitos cristãos. Wollstonecraft não parou de escrever e continou defendendo a educação para mulheres, saindo inclusive do contexto religioso. Considerada uma escritora feminista, defendia que as mulheres se instruíssem e deixassem de ser meros ornamentos, para que auxiliassem seus maridos na gestão financeira e também em questões da sociedade. Wollstonecraft acreditava que se as mulheres fossem formalmente educadas, poderiam ajudar na construção de uma sociedade melhor ao lado dos homens. Uma interessante curiosidade sobre a família Wollstonecraft é que Anne Kingsbury Wollstonecraft, ilustradora botânica de quem já falei, era cunhada de Mary. E Mary por sua vez era mãe de Mary Shelley, autora de Frankenstein.
Observando a história de Mary Wollstonecraft, percebo que a Bíblia foi e ainda é uma importante auxiliar no processo de alfabetização. A questão é ter apenas a Bíblia como leitura e penso que esse é o grande problema no meio cristão. Muitos cristãos consomem somente a Bíblia (e mal lida, na maioria das vezes), livros relacionados ao mundo religioso, músicas religiosas de gosto duvidoso, etc. A Bíblia pode ser um excelente ponto de partida se consumida com outras fontes. Além disso, é importante destacar o pensamento completamente oposto: aquele que rechaça completamente qualquer aspecto da Bíblia e da cultura cristã. A sociedade ocidental tem muitos valores arraigados que são de inspiração judaico-cristã, negar isso impossibilita a compreensão de quem somos e de quais rumos nossa sociedade está tomando.
Radar Meteorópole
Hoje nosso radar captou várias coisas. Como demorei alguns dias entre escrever um texto e outro, acabei lendo várias coisas e resgatando algumas dicas antigas que podem ser bem legais para quem é bem mais novo do que eu e está resgatando essa internet de antigamente em que a gente compartilhava links e dicas de maneira descompromissada, como uma grade comunidade, uma pracinha em que todos conviviam de maneira bem mais harmoniosa do que hoje.
Então ficam minhas dicas:
- E as queridas do Projeto Redomas gravaram com a Marcia d’Haese, criadora do personagem Smilinguido. Ouçam.
- Gostaria de se aventurar na cultura penpal e não sabe o que perguntar para seu novo correspondente? Aqui segue uma lista com dicas de perguntas.
- E os filhos do Príncipe William que tiveram a honra de conhecer o fantástico Sir David Attenborough? Ganharam até presente! Sou grande admiradora do trabalho de divulgação científica de Sir David Attemborough. Trivia: ele é irmão do falecido ator Richard Attenborough, que interpretou John Hammond em Jurassic Park.
- Eu já tinha falado do trabalho da ilustradora botânica Anne Kingsbury Wollstonecraft nesse post. Durante essa semana estava fazendo algumas pesquisas e me encontrei novamente com essa fascinante mulher. E nesse link achei o trabalho Specimens of the plants and fruits of the island of Cuba para baixar (clique aqui para ver os 3 volumes). Ilustrações botânicas fascinantes.
- Aqui, texto da NatGeo e da Cornell sobre a redescoberta das ilustrações de Anne Kingsbury Wollstonecraft.
- Um amigo me deu uma dica de um site que talvez eu fosse a única a não conhecer. No Vivino você vê as avaliações dos vinhos e é legal pra consultar quando você estiver em dúvida sobre qual comprar.
- Eu estava lendo um post do Atlas Obscura sobre essa carne de porco que está há mais de 100 anos preservada e que e teoricamente em condições de ainda ser consumida. Eu não me aventuraria…
- …daí me indicaram esse canal do Youtube em que um cara abre rações antigas dos exércitos de vários países. Achei fascinante, várias latinhas muito fofas que eu não abriria, deixaria para os arqueólogos do futuro. E tem até ração do Exército Brasileiro, muito interessante.
- Lembrando desse site do INMET com as Estações Meteorológicas por todo o país, para você consultar e baixar.
- Dica bem antiga mas que é sempre bom lembrar, principalmente para as novas gerações que estão descobrindo o lado bom e real da internet. Quer baixar uma fonte nova para deixar seus trabalhos bonitos? 1001fonts.
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