
Eu estou fazendo um curso e a professora precisava fazer um histórico sobre o assunto do curso. Era um histórico um pouco longo, mas necessário, para nos explicar como a necessidade de estudar o assunto evoluiu e quais seriam os desafios atuais e limites das técnicas. O histórico era desnecessariamente longo? Talvez sim, mas muito válido. O curso é EaD e a interação com o professor nas aulas síncronas (online) é por chat de texto. Havia muitos alunos e o chat ficou absurdamente caótico. E notei várias mensagens que me incomodaram (e imagino que tenham incomodado a professora), onde as pessoas cobravam logo pelas técnicas e pelas fórmulas, pois eles diziam que a professora estava enrolando. Aquilo me incomodou tanto que eu fechei o chat, pois sou da área de ensino e sempre penso no grau de frustração da professora quando as pessoas ficam cobrando receitinhas prontas.
Em várias ocasiões, como professora ou até mesmo aqui no blog, pessoas já me pediram para escrever um guia ou um roteiro de alguma coisa (identificação de nuvens, fenômenos meteorológicos, identificação de plantas, etc). Eu agradeço as sugestões e acho guias materiais válidos e práticos, mas assim como no que narrei na aula que participei como aluna, esse tipo de situação me faz pensar que nós gostamos de “colinha” ou “decoreba” e que talvez dessa forma a gente nunca vai deixar de ser apertador de botão.
Só aprender a apertar o botão não pode ser o suficiente. Temos que entender do que o botão é feito, a qual mecanismo ele se liga, porque ele é daquela cor, em qual melhoria poderíamos pensar para esse botão, se existem botões melhores, etc. Ou seja: falo sobre ter curiosidade.
Outro dia estava folheando um livro e encontrei essa frase:
“Temos demasiado pouca diversão na maioria da aprendizagem formal e as pessoas estão ansiosas por isso. Se não conseguimos inspirar curiosidade é provável que estejamos no caminho errado.”
Tim O’Reilly – WTF?: What’s the Future and Why It’s Up to Us e também tem a versão em shortcut (resumida) aqui
Pois então, talvez a introdução histórica da professora tenha sido maçante para muitos e é por isso que como educadores temos que pensar em maneiras para deixar conteúdos mais agradáveis. Aprender é cansativo, exige concentração e foco. Mas a gente pode melhorar o processo apresentando vídeos, memes, causos, historias curiosas do passado, etc. O contexto histórico associado à uma técnica ou a algum assunto deveria servir para inspirar e muitos enxergam como enrolação. Quando digo inspirar, quero dizer que o aluno precisa enxergar que houve momentos de criatividade para resolver um problema do passado e é por isso que aquela técnica surgiu naquele momento e é por isso que precisa continuar sendo aprimorada. Nós não podemos formar meros apertadores de botão e não podemos nos colocar dessa maneira também, querendo respostas prontas pra tudo.
Há alguns anos comentei aqui no blog que muita gente chega até meu conteúdo buscando respostas prontas para tarefas de lição de casa (veja aqui). Eu consigo saber isso quando vejo o Analytics e observo o tipo de busca que fez o leitor chegar ao meu blog. Muitas vezes a busca se trata de uma pergunta, do tipo “o que é pressão do ar e para que serve”. Eu também uso o google dessa forma. Acontece que a realidade é a seguinte, em muitos casos: o aluno faz essa busca, encontra uma página que responde a pergunta, copia tudo do jeito que está e entrega para professora. O aluno nem teve o trabalho de explicar com suas próprias palavras, a gente sabe que isso acontece. E é isso que não está nada bom! Além da limitação no pensamento, há toda a questão do plágio que deve ser considerada inaceitável.
Eu já recebi comentários razoavelmente grosseiros aqui no blog me cobrando textos menores ou algo assim. Concordo em parte com essa solicitação, porque sei que as pessoas estão cada vez com menos tempo. Concordo também que a linguagem pode melhorar e se tornar mais acessível. Mas assim, meu blog não é um texto didático de um livro. Eu falo de ciências mas eu escrevo muito de maneira livre, usando minha criatividade, do meu jeitinho. Prefiro escrever assim, porque acredito que isso gera uma conexão com o leitor. Quanto às respostas, não vou conseguir dar todas elas porque meu blog não encerra assunto nenhum. Talvez aqui eu possa te inspirar e dar dicas de outras fontes, o que faço bastante. Eu não quero colaborar na formação de meros apertadores de botão.
Imagem: mão apertando um botão. Pixabay
Parabéns por esse lindo texto cara Samantha. Concordo plenamente com a sua reflexão crítica. Penso que por fatos e vícios como esses que você menciona, entre tantos outros graves problemas estruturais, é que a Educação brasileira não consegue historicamente avançar na dimensão da qualidade e senso crítico, lamentavelmente. Suas postagens são muito, muito interessantes !! Parabéns por todo esse lindo e significativo trabalho que você realiza com tanta excelência, capricho e dedicação. Abraços. Prof. Ulisses Rosa – Químico – Piracicaba SP
Ulisses, muito obrigada por prestigiar meu conteúdo. Fico feliz que tenha gostado do texto.
Temos muito a avançar, infelizmente. O físico Richard Feynman, quando deu aulas no Brasil na década de 1960, notou uma tendência a ‘decoreba” do conteúdo. Essa história me assusta, pois pensar que se passaram aí quase 60 anos e quase nada mudou.
https://meteoropole.com.br/2020/05/nao-existe-pergunta-idiota/
Obrigada e seja bem-vindo.
Ótimo texto! Geralmente o “histórico um pouco longo” é a base pra se entender alguma coisa lá na frente, e isso de conectar um conhecimento com outro faz o cérebro guardar melhor a informação, além de desenvolver capacidades de aprendizado em si, o que serve para a vida toda. Ficar só “apertando o botão” realmente mata a curiosidade e um pouco do ser humano também.
Adorei seu comentário, Vinícius. Deixar a criatividade morrer é algo muito horrível, é matar uma característica nata do ser humano.
Abraços 🙂