Ontem alguns colegas e amigos meteorologistas estavam comentando a respeito de um áudio que estava circulando por aí. No áudio, uma pessoa que dizia se chamar Ronaldo dava um aviso sobre um frio extremo. Ronaldo dizia que tem um amigo “que mora na zona rural e tem controle via satélite” e também dizia ter um amigo no INPE.
Ronaldo também dizia que a tal “onda de frio podia ‘errar’ São Paulo, mas provavelmente não iria”. Citava supostos valores de temperatura prevista e afirmava que poderia nevar em várias cidades de São Paulo. Falava em temperaturas de -15ºC nas serras e também afirmava que o governo norte-americano e canadense já tinham alertado os brasileiros.
Ah sim, Ronaldo ainda dizia que seu amigo do INPE teria mandado um vídeo de 5 minutos falando sobre o tal fenômeno (e ninguém viu esse vídeo e ninguém sabe quem é esse amigo).
Além do áudio de Ronaldo, vários textos com conteúdo semelhante tem circulado pelo WhatsApp. Alguns falam em neve no Rio de Janeiro, outros falam em neve inclusive em cidades do noroeste de São Paulo (área seca e quente de cerrado, sem chances) e outros falavam em temperaturas negativas absurdamente baixas e atípicas para o Brasil.
Primeiro vamos aos fatos. E para isso eu me baseei em uma fonte séria de informação: a Climatempo (empresa privada de consultoria atuando há anos no mercado).
O que a Climatempo diz, através de dados de previsão, é que realmente o frio vai ser intenso entre os dias 28 e 30 de julho. E nessa onda de frio, há possibilidade de neve na Serra Gaúcha e Catarinense, no sul do Paraná e em outras áreas de planalto dos Estados da Região Sul. Isso já ocorreu em ondas de frio recentes neste inverno quando foi observada a menor temperatura no Brasil em 2021: -8,8ºC em Urupema, na Serra Catarinense, em 20 de julho.
Pode sim ocorrer temperaturas abaixo de zero nas serras de São Paulo, porém temperaturas negativas não são o único requisito para a ocorrência de neve. É preciso também ter chances de precipitação quando as temperaturas estiverem baixas, partindo de nuvens relativamente baixas e frias.
Na maior parte do Brasil, quando a gente vê o campo todo branquinho depois de uma noite bem gelada, provavelmente não é neve, mas sim geada. A geada ocorre quando a noite é bem fria e muito limpa (sem nuvens). Aqui no Brasil, a geada é um fenômeno muito mais comum do que a neve. A geada não cai da nuvem, como a chuva ou a neve. Ela se deposita quando o vapor d’água presente no ar passa para o líquido e depois para o estado sólido (ou para o estado sólido diretamente). Geada se forma quando o céu está limpo, pela manhã, depois que a superfície perdeu todo o calor durante a noite e não teve nuvens para “segurar” esse calor.
É importante ficar bem claro a diferença entre neve e geada, certo?
A Climatempo também afirma que a sensação térmica na Serra Gaúcha e Catarinense pode sim ficar bem abaixo de zero. Ocorre que sensação térmica é diferente da temperatura medida. Sensação térmica é uma maneira de medir o quanto “parece estar frio” e leva em consideração a temperatura medida, presença de nebulosidade, vento e umidade do ar. Se a temperatura esta baixa e está ventando muito também, a sensação é de mais frio. E é isso que a sensação térmica nos fornece!
A empresa ainda informa que não houve qualquer tipo de alerta dado pelos governos canadense ou norte-americano. Se isso tivesse sido feito, teria sido feito de órgão meteorológico para órgão meteorológico. Então a NOAA ou o Environment Canada teriam comunicado o INMET, por exemplo. E claro, o INMET transmitiria essa informação à imprensa e a Climatempo também reproduziria o comunicado em seu site.
Concluindo
Essa história do áudio do tal Ronaldo e todos os textos semelhantes compartilhados no WhatsApp são fake news. Vai realmente ter uma onda de frio intenso entre os dias 28 e 30 de julho de 2021, mas nada muito diferente dos episódios recentes deste inverno. Não vai nevar no interior de São Paulo e muito menos no Rio de Janeiro.
Isso não significa que a gente não deve se preocupar. A população carente e principalmente a população carente de rua sofre muito em ondas de frio assim. Por isso o INMET disponibilizou um comunicado em seu site sobre essa onda de frio e certamente a Defesa Civil de várias cidades está se mobilizando junto com os escritórios de Assistência Social das prefeituras. Além disso, obras sociais diversas e ONG’s também já estão se organizando.
Por que as pessoas inventam essas coisas?
Eu repassei esse aúdio ao grupo de colegas porque eu fiquei bem chateada com isso, embora não seja a primeira vez. Vez ou outra surgem histórias sobre furacões que estão se formando no litoral brasileiro, supostos tornados, etc. Minha pergunta é: por que alguém inventa uma coisa dessas?
Vejam meu ponto: quando alguém inventa uma fake news sobre o partido político rival (e vocês sabem do que estou falando), eu entendo que há um interesse político. A ideia é desmoralizar o adversário para derrubá-lo. Mas e uma fake news sobre um fenômeno meteorológico? O que a pessoa que inventa ganha com isso? Eu tenho preguiça de pegar meu celular para gravar um vídeo importante, imagine pegar o celular para gravar um monte de coisas, com informações tiradas sabe-se lá de onde?
Enfim, até que alguém no grupo disse algo interessante. Algumas pessoas gostam de ser protagonistas ou de ser portadoras de uma informação que só elas tem e que pode mudar o curso das coisas. Poxa, se a informação é verdadeira, isso é bem legal. Mas não é o caso.
Não invente coisas com o objetivo de trollar ou aparecer. Informe-se, crie um texto com boas referências e coloque-as no final do texto. Faça um bom trabalho e ajude sua família e seus vizinhos de verdade, sem espalhar caos para pessoas mais desavisadas.
E outra coisa: não acreditem em informações do WhatsApp. Quem é Ronaldo? De onde ele é? De onde ele tirou os valores que cita? Quem é o amigo dele do INPE? Que área rural é essa que tem um acesso privilegiado a dados de satélite meteorológico? Nada disso foi dito no áudio dele! O que transmite alguma “credibilidade” é o fato de ele citar valores e falar sem titubear e muita gente cai nesse tipo de coisa vaga.
Consulte informações meteorológicas em órgãos oficiais dos governos estaduais e federal (no nosso caso, o INMET, Cptec-INPE, Epagri, Simepar, etc). Observe também informações de empresas idôneas, como a Climatempo, que fornece consultoria em previsão do tempo até para telejornais.
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Leia também: Já ocorreu neve em São Paulo-SP?
Severino Costa diz
Enquanto isso, pra espalhar notícias verdadeiras, ninguém se mobiliza com tanta pressa, né? Bate até um desânimo de compartilhar as coisas, já que no que é mentiroso pessoal cai fácil.
Samantha diz
Nossa Severino, verdade.
Essa pessoa do áudio que mencionei podia aproveitar que sabe falar bem e espalhar uma informação verdadeira, com dados e fontes.
Obrigada pela visita.