Em muitas ocasiões o público e até a própria imprensa confundem as palavras furacão e ciclone. Quando escrevi este texto, em março do ano passado, muito estavam confundindo esta palavra. O motivo: o fenômeno Arani atuava na costa brasileira.
{x}Imagem retirada do site do Grupo de Previsão do Tempo (GPT) do INPE/CPTEC. Essa imagem é uma carta sinóptica do dia 16/03/2011 às 06Z (ou seja, 3h da manhã do nosso horário local, pois em meteorologia convenciona-se usar em qualquer lugar do mundo o horário de Greenwich)
Essa confusão entre nomes ocorre desde 2004, quando o Furacão Catarina atingiu a costa do estado de Santa Catarina. Na época eu era estudante de graduação e ainda não conhecia todos os conceitos necessários para entender a formação de um furacão, mas participei de algumas palestras, como ouvinte. Muitos professores fizeram aulas especiais e muito noticiou-se na televisão. O que me lembro da época é que surgiu uma grande dúvida sobre como chamar o fenômeno. Inicialmente, chamaram de ciclone, pois ciclones são muito comuns em nossa costa.
Ciclone é uma região de baixa pressão atmosférica (com relação à suas vizinhanças). Em regiões ciclônicas, o ar quente tem a tendência a subir e assim formar nuvens. Por isso ciclones estão associados a tempo ruim, com muita nebulosidade, podendo ocorrer chuvas e trovoadas. Na figura acima, os ciclone é representado pela letra B. Podemos ver dois: Um na costa do Chile, bem ao Sul, quase na latitude da Terra do Fogo. E outro bem a leste, bem distante da costa sul da Argentina (no cantinho a leste no mapa). As linhas que circulam a letra B são linhas isóbaras (linhas com o mesmo valor de pressão). Em ciclones, essas linhas possuem valor menor quanto mais próximo do centro (onde consta a letra B).
Ciclones ocorrem com muita frequência na costa argentina e brasileira e estão associados as frentes frias. O conjunto formado por um ciclone, uma frente quente e uma frente fria é chamado de frente quente, veja o esquema abaixo:
{x}Imagem ilustrando um Sistema Frontal. A letra B representa o ciclone extratropical.
Os ciclones deslocam-se com a rotação da Terra, ‘carregando’ consigo todo o sistema frontal que ele pertence. É assim que as frentes frias chegam ao nosso país. Repararam nos símbolos? Frentes frias são designadas por uma linha com triângulos e frentes quentes são designadas por uma linha com semi-círculos.
Mas e a Frente Quente? Essa normalmente fica localizada sobre o oceano, devido ao formato de nosso continente. Na América do Norte (que é mais “larga” que a América do Sul) conseguimos identificar a Frente Quente sobre o continente.
{x}Típica situação que ocorre nos Estados Unidos: a frente quente atuando na parte noroeste do país, enquanto a frente fria atua na parte sudeste do país.
No Hemisfério Sul, os ciclones giram na orientação horária (como os ponteiros do relógio). No Hemisfério Norte, os ciclones giran na orientação anti-horária (contrária aos ponteiros do relógio). Isso ocorre devido aos efeitos da Força de Coriolis.
Esse tipo de ciclone que está presente em sistemas frontais é chamado de ciclone extratropical (um nome que as vezes é utilizado pela mídia). O nome extratropical indica que este ciclone formou-se fora da região dos trópicos, nas chamadas latitudes médias.
Toda essa breve introdução sobre sistemas frontais foi apenas para mostrar que ciclones ocorrem com certa regularidade. Apesar dos danos que uma frente fria mais intensa pode ocasionar (chuvas fortes, ventanias, etc), não há nada de muito destrutivo. Então, qual a relação entre Ciclone e Furacão? Porque Furacão é um típico específico de ciclone. Um dos sinônimos para furacão é ciclone tropical. Na verdade, eu diria que ciclone tropical é o nome técnico. Furacão é um nome regional e refere-se aos ciclones tropicais que ocorrem no golfo do México, golfo da Califórnia, Atlântico Norte e já é usado para referir-se a ciclones tropicais que ocorrem no Atlântico Sul também (como foi o caso do Furacão Catarina). Outro sinônimo para furacão ou ciclone tropical é a palavra tufão, que normalmente designam os ciclones tropicais que ocorrem na região da Indonésia, sul do Japão e Filipinas (todo o Noroeste do Pacífico).
Como eu gosto de saber a origem dos nomes das coisas, tentei descobrir de onde vem os nomes Furacão e Tufão:
A palavra tufão pode ter origem do urdu, persa e árabe: ţūfān (طوفان), que pode ainda ter sido originada do grego typhon (Τυφών), que é o nome de um monstro da mitologia grega associado a tempestades. Assim, em vários idiomas, a palavra tufão tem pronúncia muito semelhante: tufão (português), typhoon (inglês), taifeng ou toifung (chinês e cantonês – 颱 風 – ideograma que significa grandes ventos), taifu (japonês – 台風). {x}
Imagem do monstro Typhon{x}
A palavra furacão, usada no Atlântico norte e no Pacífico nordeste provavelmete é originada do nome de um deus maia chamado Huracán. Assim em inglês, furacão é hurricane e em espanhol, huracán. Uma outra possibilidade para a origem do nome furacão vem da mitologia nórdica: Hyrrokkin, um gigante a quem foi designada a tarefa de empurrar um barco com o corpo do deus Balder, que era muito pesado para que os deuses pudessem carregar. {x}
Pintura ilustrando a história da criação do mundo, segundo a mitologia Maia. O deus Huracan participou da criação {x}
Voltando ao nome técnico: ciclone tropical. Possui esse nome devido a região de formação: forma-se entre os trópicos. Os furacões que atingem o golfo do México, por exemplo, formam-se na costa da África em latitudes muito próximas ao Equador. Na costa da África, os furacões ainda não tem esse nome. São apenas uma depressão tropical, uma área de nebulosidade e tempestades. Ao deslocar-se em direção ao Golfo do México, ganham intensidade devido as águas do mar serem mais quentes naquela região. A água do mar com temperaturas um pouco mais elevadas (acima de 27°C) funciona como uma fonte de energia e então forma-se o furacão e ele pode ganhar força. Pode “morrer” antes de atingir uma cidade, se encontrar uma corrente de água mais fria. Mas pode perder força apenas quando atinge uma cidade, e causando toda destruição que estamos acostumados a ver nos noticiários. Logo que atinge o continente, o furacão perde força e para de deslocar-se, uma vez que seu combustível (o calor da água do mar) já não encontra-se presente.
Destroços e destruição feita pelo furacão Katrina {x}
Como vimos, os ciclones tropicais (furacões ou tufões) formam-se em áreas tropicais. Já o Catarina foi furacão diferente. Foi um ciclone extratropical que transformou-se em um ciclone tropical, pois durante seu deslocamento ele foi ganhando força. Uma das razões para ganhar força, foi o fato da temperatura da água do mar na região estar um pouco mais elevada do que de costume. Nunca antes havia sido registrado algo semelhante: um ciclone extratropical evoluir para um ciclone tropical. Por causa disso, toda imprensa e até mesmo meteorologistas e órgãos responsáveis ficaram confusos.
Algo muito semelhante aconteceu com o Arani. Ele começou como um ciclone extratropical normal, desses que carregam frentes frias. Nas proximidades da costa do Espírito Santo, a água do mar está com a temperatura um pouco mais alta do que o normal, por isso ele ganhou forças. E, se vocês olharem na primeira figura que eu postei, há um X marcando o centro de Arani. Esse X representa que o céu está obscurecido. Ou seja, Arani não tem um olho (região de calmaria bem no centro do furacão, o ‘olho do furacão’). Os órgãos de meteorologia tem chamado Arani de sistema híbrido, já que apresenta características típicas de furação (ventos fortes e baixa pressão) mas não tem um olho (assim como os ciclones extratropicais que acompanham frentes frias, que também não tem olho).
O olho é esse pontinho bem no meio do furacão, livre de nebulosidade. O furacão dessa imagem é o Katrina, que ocasionou muitas mortes e danos materiais na cidade de Nova Orleans em 29 de agosto de 2005 {x}
E foi por isso que quando tivemos o Furacão Catarina houve toda essa confusão com relação a nomenclatura. Como vimos, o mecanismo de formação de um furacão aqui no Atlântico Sul é bem diferente do que ocorre no Atlântico Norte (Golfo do México). E graças a imagens de satélites, ampla rede de monitoramento (como estações meteorológicas) e ampla divulgação de dados meteorológicos (através da internet), hoje é possível ver o fenômeno ocorrendo no oceano e prever sua trajetória, alertando a população de áreas litorâneas para o pior.
Lucas H. Bortoli diz
Excelente texto, muito esclarecedor.